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Cuida-se de expediente de recursão interposto pelo Senhor Vereador Dr. Rogério Amorim contra ato desta Presidência que determinou o apensamento do Projeto de Lei Complementar nº 170/2024, da lavra do nobre recorrente, ao Projeto de Lei Complementar nº 78/2018, de autoria compartilhada dos Senhores Vereadores Jorge Felippe e Vera Lins.
No queixume do impetrante, argumenta-se, resumidamente, que a atividade de transporte executivo de passageiros, objeto de regulamentação pelo PLC nº 170/2024, não perpetra emaranhado normativo com a finalidade substantiva prevista no PLC nº 78/2018, em tramitação nesta Casa de leis há quase seis anos, o qual se refere tão-somente (nas palavras do digno reclamante) à regulamentação de serviço de transporte privado individual operado por meio de aplicativos ou plataformas tecnológicas.
Todavia, essa altercação contém uma visão distorcida do contexto normativo abrangido efetivamente no PLC nº 78/2018, porque S.Exa. não vislumbrou o alcance da determinação contida no parágrafo único do art. 1º da primígena proposição legislativa.
Então, para elucidação dessa querela, vejamos os termos desse dispositivo:
Projeto de Lei Complementar nº 78/2018
"Art. 1º (...)
Parágrafo único. Fica proibido no território do Município do Rio de Janeiro qualquer outro tipo de serviço de transporte remunerado privado individual tal como transporte executivo e similar executado por motorista condutor de veículo licenciado na categoria particular."
(grifos para realce da redação)
Ora, por simples exercício de intelecção, evidencia-se a existência de flagrante antinomia entre as contexturas normativas das matérias aqui comentadas.
É fato que o PLC nº 78/2018 abarca a regulamentação do serviço de transporte remunerado privado, individual de passageiro (vide caput do art. 1º), entretanto estabelece expressa vedação a qualquer outro serviço de transporte individual de passageiro e, para isso, o parágrafo único do art. 1º exemplifica que essa proibição se estende ao transporte executivo por motorista condutor de veículo licenciado na categoria particular.
Feita essa observação, é incontestável que o PLC nº 170/2024, de autoria do ilustre recorrente, abalroa com aquela proibição, porquanto nessa propositura mais recente o objeto normativo pretendido é a regulamentação da atividade de transporte executivo de passageiro por veículo de luxo, individual, não importando in casu se se tratar do uso de aplicativo ou outra plataforma tecnológica, visto que a vedação no parágrafo único do PLC nº 78/2018 se aplica à finalidade, não interessando o meio de comunicação para a prestação do serviço.
Por conseqüência, o processo legislativo não se coaduna com a tramitação simultânea de matérias que possuam atributos normativos em síncrise, porque essa antítese do mens legis provocaria inaceitável insegurança jurídica, caso ambas as propostas se transformem em leis divergentes. Por essa razão, essas matérias não devem ter andamento apartado, e, assim, pelo princípio da cronologia de apresentação das proposições legislativas, diante desse empecílho, recomenda-se a juntada delas para que não ocorra no processo legislativo esse desatino da instabilidade do direito vigente, com a previsível judicialização de situação que, num cenário de maior clareza, sem contradição, se pode aplicar as leis sem a necessidade de acionar a Justiça.
É de bom alvitre, nessa referência à juntada de proposituras legislativas, que se assinale que essa intercorrência na tramitação das matérias sempre se fundamenta pelo postulado norteador do art. 6º, caput, da Lei Complementar nº 48, de 5 de dezembro de 2000, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis municipais. Reproduza-se esse súpero axioma do processo legislativo:
"O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação (...).
Ao se aplicar esse cânone aos Projetos de Lei Complementar em tela, verifica-se que os objetos normativos são correlatos, uma vez que nas duas proposituras o cerne substantivo consiste na regulamentação de serviço de transporte individual de passageiro, porém com alcances (campo de aplicação) distintos e conflitantes.
Como vimos anteriormente, o PLC nº 170/2024 possui campo de aplicação restrito à modalidade de transporte executivo ou similar, enquanto o PLC nº 78/2018 possui alcance normativo positivo exclusivamente para os serviços de transporte individual de passageiros por aplicativo ou outra plataforma tecnológica.
Dado que o parágrafo único, por aplicação do art. 6º da Lei Complementar nº 48, de 2000, integra o art. 1º da proposição, ele deve ser analisado também como objeto da lei constituindo-se em direito negativo do extrato normativo.
Depreende-se portanto, que embora as proposições em estudo contenham objetos materiais correlativos, seus respectivos campos de aplicação normativa são distintos e colidentes, visco que o direito negativo que deflui do parágrafo único do art. 1º do PLC nº 78/2018 se antagoniza com o direito positivo intencionado pelo art. 1º do PLC nº 170/2024.
Fica claro nessa exposição que não houve outra possibilidade a esta Presidência a não ser o apensamento das matérias por invocação do princípio da cronologia do processo legislativo, a fim de evitar a chance de acarretar a mencionada e malfadada insegurança jurídica, se ambas as proposições vierem a ser aprovadas e sancionadas ou promulgadas.
Outrossim, cabe a esclarecer ao digno Vereador Dr. Rogério Amorim que, se porventura, houver a apresentação de emenda supressiva ao parágrafo único do art. 1º do PLC nº 78/2018, ou ao seu substitutivo, e seja aprovada pelo egrégio Plenário, poderá S. Exa. requerer o desapensamento das matérias, porque nessa situação deixa de existir o óbice aqui relatado, podendo o PLC nº 170/2024 tramitar independente daquele.
É o que cabe a esta Presidência instruir nessa arguição recursal, mantendo a decisão do apensamento das matérias enquanto perdurar o conflito ora considerado.
Dê-se prossecução ao recurso em tela, encaminhando-o à douta Comissão de Justiça e Redação nos termos do art. 289, § 1º, do Regimento Interno.
Gabinete da Presidência.
Em 28/05/2024
CARLO CAIADO - Presidente
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