Texto Parecer (clique aqui)
Da Comissão de Justiça e Redação ao Projeto de Lei 103/2021, que “Dispõe sobre os pontos de apoio para trabalhadores de aplicativos de entrega e transporte individual privado de passageiros”.
Autor (es): VEREADOR TARCÍSIO MOTTA, VEREADOR FELIPE MICHEL
Relator: VERADOR DR. GILBERTO
(PELA INCONSTITUCIONALIDE)
I - RELATÓRIO
Trata-se do Projeto de Lei nº 103/2021, de autoria dos Senhores Vereador Tarcísio Motta e Vereador Felipe Michel, que “Dispõe sobre os pontos de apoio para trabalhadores de aplicativos de entrega e transporte individual privado de passageiros”.
II – VOTO DO RELATOR
O transporte constitui tema de grande importância para o direito econômico, não apenas sob o enfoque do direito de ir e vir, ou da segurança no trânsito, mas como atividade econômica, na forma de prestação de serviços públicos e de serviços privados. Por isso, a Constituição Federal trata desse assunto em alguns dispositivos, conforme destacamos:
“Art.22.: Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
[...]
IX – diretrizes da política nacional de transportes;
X – regime de portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI – trânsito e transporte”
No exercício dessa competência, o Congresso Nacional aprovou a Lei Federal nº 12587 de 03 de Janeiro de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Esta Lei estabelece que compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiro no âmbito dos seus territórios. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes constates dos incisos do parágrafo único do art. 11-A desta Lei:
“I – efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço;
II – exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT);
III – exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”
Para deixar mais claro os limites de atuação legislativa local, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de repercussão geral nº 967 no Recurso Extraordinário 1.054.110 (RE 1.054.110), no qual o Tribunal julgou inconstitucional a proibição ou restrição por meio de lei municipal do transporte individual de passageiro por motoristas cadastrados em aplicativos. A tese proposto por relator do RE 1.054.110, ministro Luís Roberto Barroso, e aprovada pelo Plenário foi a seguinte:
“1. A proibição ou restrição de atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, violando aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. (CF Art. 170)
2 . No exercício de sua competência para a regulamentação e fiscalização do transporte individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo Legislador Federal.”
Dessa forma, a intervenção estatal na economia, mediante regulação e regulamentação de setores econômicos, deve observar os princípios e fundamentos da ordem econômica. E a competência legislativa suplementar atribuída aos Municípios deve ser exercida com observância da legislação federal e estadual. Portanto o ordenamento jurídico brasileiro consagra a liberdade de iniciativa e a propriedade privada.
Ainda procedendo, então, a devida análise da constitucionalidade e da juridicidade, apesar do louvável intuito do legislador municipal, a presente propositura não se encontra devidamente ancorada na competência legislativa atribuída ao parlamentar nos ditames da Constituição Federal.
O presente projeto de lei institui obrigações às empresas do setor, estar-se-ia a retirar dos estabelecimentos em questão a autonomia e a liberdade de gerenciar suas atividades econômicas.
Guardada as proporções do caso, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela inconstitucionalidade.
O projeto de lei afronta os princípios fundamentais da livre iniciativa e da livre concorrência, insculpidos no inciso IV do art. 1º e no art. 170, caput, inciso IV e parágrafo único, da Constituição da República, evidenciam o modelo capitalista de produção que vigora no atual Estado Democrático de Direito, assegurando o livre exercício da atividade econômica.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
IV - livre concorrência;
[...]
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Nessa linha de raciocínio, é oportuno ressaltar que a livre iniciativa se trata de uma garantia constitucional vinculada a liberdade, direito fundamental de primeira dimensão.
Assim, o Município deverá intervir na economia, excepcionalmente, para atuar unicamente como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, a fim de manter a ordem econômica e social, consoante disposto no art. 174 da Constituição da República.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Considerando a falta de competência suplementar do Município para a matéria (Art. 30 CF), opino pela INCOSTITUCIONALIDADE do Projeto de Lei nº 103/2021.
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Sala da Comissão, 20 de setembro de 2021
Vereador Dr. Gilberto
Relator
III – CONCLUSÃO
A Comissão de Justiça e Redação, em reunião realizada no dia 20 de setembro de 2021, aprovou o parecer do Relator, Vereador Dr. Gilberto pela INCONSTITUCIONALIDADE, ao Projeto de Lei nº 103/2021, de autoria dos Senhores Vereadores Tarcísio Motta e Felipe Michel.
Sala da Comissão, 20 de setembro de 2021
Vereador Inaldo Silva
Presidente
Vereador Alexandre Isquierdo Vereador Dr. Gilberto
Vice-presidente Vogal