REPRESENTAÇÃO 1
Rio de Janeiro, 26 de abril de 2021


O CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, com fulcro no art. 55, II, da Constituição da República, no art. 49, II, da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro e no art. 9º da Resolução nº 1.133, de 3 de abril de 2009, vem, perante a Mesa Diretora desta Casa, propor a presente
REPRESENTAÇÃO

para instauração de processo ético-disciplinar que visa apurar conduta incompatível com o decoro parlamentar perpetrada pelo Sr. Vereador JAIRO JOSE SANTOS JUNIOR - Dr. Jairinho, passível de punição com perda de mandato, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
I – DA LEGITIMIDADE DO CONSELHO DE ÉTICA PARA OFERECER REPRESENTAÇÃO

Inicialmente, cumpre esclarecer que a presente representação atende aos requisitos formais previstos no art. 11, I, da Resolução nº 1.133/20091. Nos termos do Parecer nº 01/11- SAFF, exarado pela Procuradoria-Geral desta Casa nos autos do processo CMRJ nº 01858/2011 (doc. 01), o Conselho de Ética e Decoro, colegiada de seus membros, detém legitimidade ativa para iniciar processo disciplinar para apuração de fatos atribuídos a parlamentares, que impliquem perda do mandato por quebra de decoro parlamentar.

Ademais, conforme se demonstrará adiante, a representação versa sobre fatos determinados com temporalidade atual e baseia-se em extenso conjunto probatório, que aponta no sentido da prática, no caso, de atos atentatórios ao decoro parlamentar pelo Representado.

1“Art. 11. São requisitos formais da representação:
I - subscrição de dois quintos dos membros da Câmara Municipal, mais o autor, exceto quando a iniciativa for do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou da Mesa Diretora nos casos em que a pena prevista seja a de advertên cia;
II – fazer menção através de prova, a fato determinado com temporalidade atual, sendo vedada à representação apresentada que tenha como fato determinado ação pretérita do representado, exceto as praticadas durante o mandato em exercício.”
II - SÍNTESE DOS FATOS

Na madrugada do dia 8 de março de 2021, Henry Borel Medeiros, de 4 anos de idade, foi levado por sua mãe, Monique Medeiros, e por seu padrasto, o ora Representado, a um hospital na zona oeste da cidade. Após o atendimento na emergência pediátrica da unidade de saúde, o menor teve sua morte atestada pela equipe médica presente no local.

De acordo com o laudo de exame de necropsia, a criança apresentava múltiplos hematomas no abdômen e nos membros superiores, infiltração hemorrágica na região frontal do crânio, na região parietal direita e occipital, ou seja, na parte da frente, lateral e posterior da cabeça, edemas no encéfalo, grande quantidade de sangue no abdômen, contusão no rim à direita, trauma com contusão pulmonar, laceração hepática e hemorragia retroperitoneal. Ainda segundo o documento, a causa mortis do menor seria “hemorragia interna e laceração hepática provocada por ação contundente”.

Diante de fortes evidências de morte não acidental, o Delegado Titular da 16ª Delegacia de Polícia, na Barra da Tijuca, determinou a instauração de inquérito policial (IP nº 02930/2021) para elucidar as circunstâncias que ensejaram a morte da criança. As nebulosas hipóteses para o ocorrido, bem como os indícios de morte violenta apontados no laudo da necropsia, causaram grande repercussão na imprensa e comoção na sociedade, e já levantavam suspeitas sobre o Senhor Vereador, Dr. Jairinho, como, no mínimo, coautor do crime de homicídio.

Em 7 de abril de 2021, o Representado e sua companheira Monique Medeiros tiveram prisão temporária decretada em decisão proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital (doc. 02). A prisão fundamentou-se no já men cionado laudo de necropsia, em material apreendido no bojo da investigação – que apontou contradições entre os depoimentos prestados pelas testemunhas inicialmente ouvidas e as conversas de whatsapp recuperadas –, além de fortes evidências de que as investigações vinham sendo obstruídas pelos investigados e por seu patrono. A juíza Elizabeth Machado Louro destacou que o Vereador Dr. Jairinho, sua companheira e sua defesa estariam utilizando artifícios escusos, coação de testemunhas e até tentativa de tráfico de influência para impedir que provas fossem produzidas contra o casal no âmbi to da investigação.

Após a decretação da prisão, a defesa do Representado impetrou Habeas Corpus em seu favor, e em favor de Monique Medeiros, autuado sob o nº 0025381-73.2021.8.19.0000 (doc. 03). O Relator, Desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negou o pedido de liminar ao considerar que: "No caso, ao menos em juízo perfunctório, não é possível identificar de plano o contrangimento ilegal aventado ou, ainda, a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, elementos autorizadores para a concessão de tutela de urgência, mormente considerando a gravidade do crime imputado aos pacientes, e da análise procedida na instãncia de origem pela cuidadosa juíza do caso".

Diante da gravidade e verossimilhança dos fatos imputados ao Representado, então Vereador em exercício, algumas medidas foram prontamente adotadas por esta Casa Legislativa. O Representado teve sua a remuneração suspensa pelo Ato da Mesa Diretora nº 01/2021, nos termos do art. 14, §§ 3º e 4º, do Regimento Interno. Na mesma data, o Conselho de Ética deliberou, por unanimidade, pelo seu afastamento cautelar imediato, e requereu ao Juízo do caso cópia do inteiro teor dos autos do inquérito policial.

Nesse contexto, após tomar conhecimento do teor das investigações e do conjunto probatório reunido no inquérito policial – que indicam a presença de elementos suficientes de autoria e materialidade da prática, em tese, de monstruoso crime pelo Representado, não restou outro caminho ao Conselho de Ética desta Casa senão apresentar representação e requerer a instauração do respectivo processo ético disciplinar contra o Senhor Vereador Dr. Jairinho, por conduta atentatória ao decoro parlamentar.

III - FATOS ATUAIS E DETERMINADOS COM AMPLO LASTRO PROBATÓRIO

Não bastassem a ampla cobertura do caso realizada pela imprensa e a decisão judicial que decretou a prisão temporária, o que, por si só, revelam a presença de fatos atuais, determinados e graves envolvendo o Representado, o Inquérito Policial nº 02930/2021, cujas cópias foram remetidas a esta Casa Legislativa, denotam a participação do Sr. Jairo Jose Santos Junior (o Representado, Vereador Dr. Jairinho) na morte do menor Henry Borel Medeiros.

Do caderno investigatório, é possível extrair que Henry já chegou morto ao hospital na madrugada do dia 8 de março de 2021. Nesse sentido é o Termo de Declaração firmado por Maria Cristina de Souza Azevedo, primeira médica a ter contato com o menor, e corroborado pelos demais médicos presentes no local, que também foram ouvidos no bojo do inquérito. Veja-se:

“perguntada sobre o estado de HENRY quando deu entrada no hospital, respondeu que estava em Parada Cardio Respiratória, (...) que Parada Cardio Respiratória significa morte; que em alguns casos se consegue reverter este quadro a partir de manobras de ressuscitação, porém, no caso de HENRY, este não apresentou resposta a qualquer a qualquer das manobras, ou seja, por nenhum momento foi detectado batimento cardíaco ou respiração. Que (...) diante do exposto (...), se pode concluir que Henry já chegou morto ao hospital, a declarante respondeu que sim, que Henry estava tecnicamente morto.”

As declarações dos médicos foram corroboradas por perícia acostada ao inquérito policial.

Nos depoimentos prestados em 13 de março de 2021, o Representado e a sua companheira alegam ter encontrado Henry já caído ao lado da cama em que dormia, mantendo, assim, a versão de que um acidente teria ocorrido, o que se revela infactível frente as provas colhidas no curso das investigações.

No mesmo sentido, concluiu o laudo pericial complementar de necropsia que “foram descartadas as hipóteses de acidente doméstico ou morte por lesões causadas durante manobra de ressuscitação”. O mesmo laudo indicou a presença "de lesões na região nasal e infra orbital esquerda (...) compatíveis com escoriações causadas por unha". A perícia indicou, ainda, que as várias lesões encontradas no corpo de Henry não poderiam ter sido causadas em um único trauma ou acidente, como sustentam o Representado e sua companheira.

Já a perícia realizada nos celulares apreendidos durante o curso do inquérito – que encontrou “capturas de tela” de mensagens trocadas entre a Sra. Monique Medeiros, companheira do Representado, e Thayná de Oliveira Ferreira, babá do menor, sugere que o Representado já havia praticado atos de violência contra Henry. O conteúdo das mensagens é claro e descreve, em tempo real, momentos de agressão promovida pelo Representado no dia 12 de fevereiro de 2021:

“16:30 – THAYNA: Aí logo depois Jairinho chamou ele para ver que comprou algo
16:30 – MONIQUE: Aí meu Deus
16:30 – THAYNA: Aí ele foi para o quarto
16:30 – MONIQUE: Estou apavorada
16:30 – THAYNA: De início gritou tia
16:30 – THAYNA: Depois tá quieto
16:30 – THAYNA: Aí eu respondi oi
16:30 – THAYNA: Aí ele nada
16:30 – MONIQUE: Vai lá mesmo assim
16:30 – THAYNA: Tá
(...)
16:31 – THAYNA: Então eu chamo e nenhum dos dois falam nada
16:31 – MONIQUE: Bate na porta
16:32 – THAYNA: Não respondem
(...)
16:32 – THAYNA: Abriu a porta do quarto
16:32 – MONIQUE: E aí?
16:32 – MONIQUE: Aí meu pai amado
(foto parcial, enviada por THAYNA, aparentemente com Henry no colo)
16:35 – MONIQUE: Deu ruim?
16:35 – MONIQUE: Sabia
16:35 – MONIQUE: Pergunta tudo
16:35 – MONIQUE: Pergunta o que o tio falou
16:35 – THAYNA: Então agora não quer ficar na sala sozinho
16:35 – THAYNA: Só quer ficar na cozinha
16:36 – THAYNA: Jairinho falou thayna deixa a mãe dele fazer as coisas
(...)
16:37 – THAYNA: Ele quer que eu fique sentada ao lado dele só
16:37 – MONIQUE: Coitado do meu filho
16:37 – THAYNA: Jairinho tá arrumando a mala
16:37 – MONIQUE: Se eu soubesse nem tinha saído
16:38 – MONIQUE: Pergunta o que o tio falou
16:38 – MONIQUE: Fala assim: tio Jairinho é tão legal, o que ele falou com vc?
16:38 – THAYNA: Jairinho tá aqui perto
16:38 – THAYNA: Depois pergunto
16:38 – MONIQUE: Ok
(...)
16:46 – MONIQUE: Da um banho nele
16:46 – MONIQUE: Pra ver se ele relaxa
16:46 – THAYNA: Ele não quer entrar ali no corredor
16:47 – MONIQUE: Pqp
16:47 – MONIQUE: Que merda do caralho
16:47 – THAYNA: imagem* (fotografia de THAYNA, com HENRY no colo, aparentemente em um sofá)
16:47 – MONIQUE: Coitado
16:47 – THAYNA: Quer ficar assim no meu colo
16:47 – MONIQUE: (emoji)
16:47 – THAYNA: Tá reclamando que o joelho está doendo
(...)
16:50 – MONIQUE: Ele foi pro nosso quarto ou o do Henry?
16:50 – THAYNA: Para o seu quarto
16:51 – MONIQUE: Eu vou colocar microcâmera
16:51 – THAYNA: E sempre no seu quarto
(...)
17:02 – MONIQUE: Alguma coisa estranha mesmo
17:02 – MONIQUE: Jairinho me ligou
17:02 – MONIQUE: Dizendo que chegou agora em casa
17:02 – THAYNA: Po
17:02 – THAYNA: Já chegou um tempão
17:03 – MONIQUE: Estranho demais
(...)
17:16 – THAYNA: Tá eu e Henry em casa só
17:19 – MONIQUE: Veja se ele fala alguma coisa
17:22 – THAYNA: Estou tirando dele
17:22 – MONIQUE: Ok
17:22 – THAYNA: Pera aí
17:25 – THAYNA: Então me contou que deu uma banda e chutou ele que toda vez faz isso
17:25 – THAYNA: Que fala que não pode contar
17:25 – THAYNA: Que ele perturba a mãe dele
17:26 – THAYNA: Que tem que obedecer ele
17:26 – THAYNA: Se não vai pegar ele
17:28 – THAYNA: Combinei com ele agora
17:29 – THAYNA: Toda vez que Jairinho chegar e você não tiver eu vou chamar ele pra brinquedoteca e ele vai aceitar ir
17:29 – THAYNA: Porque estou aqui pra proteger ele
17:29 – THAYNA: Aí eu disse se você confia na tia me da um abração aí ele me deu
17:30 – THAYNA: imagem* (fotografia de mãos dadas entrelaçadas, aparentemente de THAYNA e HENRY)
17:30 – THAYNA: Tá assim comigo
17:33 – MONIQUE: Como assim? (se referindo ao trecho “Se não vai pegar ele”)
17:33 – THAYNA: Ele não falou mais
17:49 – THAYNA: imagem* (vídeo focando nas pernas de HENRY, que está vestindo cueca e calçando chinelo)
17:49 – THAYNA: Tá mancando
17:50 – THAYNA: Mas tô cuidando dele
(...)
17:51 – MONIQUE: A porta do quarto estava aberta ou fechada qdo Henry entrou no quarto?
17:57 – THAYNA: Quando Henry entrou estava aberta
17:57 – THAYNA: Depois ele fechou
17:57 – THAYNA: E daí ficou até aquela hora com a porta fechada
17:58 – THAYNA: Henry tá reclamando da cabeça
17:58 – THAYNA: Pediu tia não lava não
17:58 – THAYNA: Tá doendo
17:58 – MONIQUE: Meu Deus
17:58 – MONIQUE: Como assim?
17:58 – MONIQUE: Pergunta tudo Thayná
17:58 – MONIQUE: Será que ele bateu a cabeça?
18:03 – THAYNA: imagem* (fotografia do joelho esquerdo de HENRY, aparentemente com uma equimose)
18:03 – THAYNA: Ele disse que foi quando caiu que a cabeça ficou doendo” (grifos nossos)

No Termo de Declaração firmado no dia 13 de abril de 2021, a Sra. Thayná confirmou a veracidade das mensagens de celular, e declarou que havia mentido em testemunho anterior a pedido da companheira e do patrono do Representado. Afirmou, ainda, ter presenciado por três vezes um comportamento agressivo e violento do Representado contra o menor. Veja-se:

“Que o primeiro evento, segundo a declarante se recorda, foi no dia 02 de fevereiro, quando MONIQUE estava no futevôlei, por volta de 06:00H ou 07:00H; Que, como MONIQUE havia saído, estavam apenas a declarante, JAIRINHO e HENRY no apartamento; Que, num dado momento, HENRY, que estava em seu próprio quarto, passou a chamar pela mãe, Que JARINHO saiu do próprio quarto foi até o quarto de HENRY, onde a declarante também se encontrava; Que, ao chegar no quarto JAIRINHO falou para a declarante que HENRY era mimado e chamou HENRY para conversar com ele, JAIRINHO, no quarto do casal; Que a declarante permaneceu no quarto de HENRY (...); Que a porta do quarto do casal estava fechada; Que JARINHO e HENRY ficaram cerca de 30 minutos com a porta fechada (...); Que, passados os 30 minutos, saíram JAIRINHO e HENRY do quarto; (...) Que a declarante foi até HENRY e perguntou o que havia acontecido, especificamente o que JAIRINHO havia falado, ocasião em que HENRY respondeu que havia esquecido, que estava com soninho; Que a declarante insistiu em perguntar o que havia acontecido e HENRY novamente respondeu: “esqueci”; (...) Que HENRY foi para a escola depois, já que era seu primeiro dia de aula; Que HENRY voltou cerca de duas horas depois e almoçou com a declarante, Que, por volta de 15:00H a declarante levou HENRY para a brinquedoteca; Que foram apenas a declarante e HENRY; Que, na brinquedoteca a declarante notou que ele não quis brincar com as demais crianças, razão pela qual perguntou a ele o porquê disto; Que HENRY relatou que estava com dor no joelho (...)”
“Que, já no dia 12 de fevereiro, a declarante foi trabalhar normalmente; Que ele [JAIRINHO] chegou de surpresa; Que, logo em seguida, JAIRINHO foi para o quarto do casal e chamou HENRY, dizendo “vem aqui que vou te mostrar um negócio que comprei”; Que HENRY, então, foi para o quarto do casal; Que, logo em seguida, a declarante ouviu HENRY chamando “Ô TIA!”; Que, diante do chamado, a declarante foi até o quarto, porém se deparou com a porta fechada e a televisão em alto volume; (...) Que a declarante bateu na porta e tentou abrir a porta, porém a porta estava trancada; Que a declarante, então, chamou por HENRY umas duas vezes, porém nem ele e nem JAIRINHO respondiam; Que então, a declarante estranhou a situação e se dirigiu à cozinha e pegou seu aparelho celular, no intuito de enviar uma mensagem à MONIQUE avisando sobre o que estava acontecendo; Que neste momento, apresentada às capturas de tela (“prints ”) referentes à troca de mensagens de Whatsapp com MONIQUE, (...) a declarante prontamente reconhece como sendo parte da referida conversa, confirmando a veracidade de todo o seu conteúdo; (...) Que, quando finalmente a porta do quarto se abriu, HENRY saiu do quarto e foi em direção à declarante, que o pegou no colo e foi para o sofá da sala; Que Henry ficou “amuadinho ”, sem falar nada; Que HENRY reclamou de dor no joelho e ROSANGELA perguntou até se HENRY havia machucado o pé; Que HENRY respondeu que era pela “banda”, mas não explicou exatamente (...); Que HENRY falou à declarante que JAIRINHO tinha dado uma “banda” nele e chutado; QUE quanto ao “toda vez faz ”, a declarante afirma que HENRY que relatou isso para ela, ou seja, que JAIRINHO sempre fazia isso com ele; Que HENRY também relatou à declarante que JAIRINHO falou que “não podia contar ”, que “ ele perturba a mãe dele”, que “tinha que obeceder ele”, que “se não ia pegar ele ”; (...) Que a declarante perguntou o que havia acontecido para a cabeça estar doendo, ao que HENRY respondeu “TIO JAIRINHO”; Que, ao sair do banho, HENRY contou à declarante que machucou a cabeça ao cair da “banda” que levou de JAIRINHO; Que ao retornarem à sala após o banho, a declarante notou um roxo em um dos joelhos de HENRY, perguntando ao menino “o que é isso?”, ao que HENRY respondeu que, ao cair após levar a “banda”, machucou o joelho e a cabeça (...)”

“Que, nos dias que se seguiram, a declarante não observou nada de anormal, até que aconteceu de novo; Que (...) não se recorda exatamente a data porém acredita que tenha sido na última semana de fevereiro; Que, desta vez, JAIRINHO também chegou excepcionalmente mais cedo do trabalho; (...) Que, assim que chegou, JAIRINHO chamou HENRY para o quarto do casal; Que HENRY foi e, logo depois, a declarante foi chama-lo; Que a declarante bateu na porte e ninguém respondeu; Que, cerca de três minutos depois, a porta abriu e a declarante viu HENRY; (...) Que a declarante perguntou imediatamente o que havia ocorrido a HENRY, mas ele relutou em responder num primeiro momento; Que a declarante insistiu em perguntar, até que HENRY disse que havia caído da cama, mas a declarante pode perceber que HENRY estava visivelmente intimidado e, logo em seguida, falou que estava com a cabeça doendo; (...) Que, enquanto HENRY comia bolo, a declarante viu que HENRY estava com uma marca roxa no braço e, novamente, perguntou o que havia acontecido; Que HENRY disse, novamente, que havia caído da cama, sendo que a declarante seguiu insistindo, mas HENRY começou a falar do bolo, visivelmente saindo do assunto e não querendo falar mais nisso; (...)”

Como se vê, as Declarações firmadas pela Sra. Thayná, babá do menor, e as mensagens trocadas com a companheira do Representado, Sra. Monique Medeiros, demonstram uma sequência de episódios violentos, que não deixam dúvidas acerca da relação conturbada e agressiva do Representado com o menor Henry.

Merece destaque, ainda, o Termo de Declaração firmado por Pablo dos Santos Meneses, membro Conselheiro do Instituto D’Or, no âmbito do IP nº 02930/2021. Em suma, Pablo apresentou à autoridade policial mensagens enviadas pelo Representado no dia da morte do menor Henry, nas quais o então Vereador solicitava de forma reiterada “um favor aqui no Barra D’Or”. Após insistentes tentativas de contato telefônico, o declarante retornou e foi informado sobre a ocorrência de uma tragédia com o menino Henry, razão pela qual o Representado pedia a “agilização do óbito”, para que o mesmo fosse “atestado no próprio hospital, sem que fosse encaminhado ao IML”. Nas palavras do declarante, o Representado teria dito “Agiliza o óbito e a gente vira essa página”. Contudo, após tomar conhecimento dos detalhes obscuros da morte do menor, o declarante informou ao Representado “que não havia a menor possibilidade de o óbito ser atestado pelo hospital, em vista da situação”. Não se pode negar que os acontecimentos narrados pelo Sr. Pablo causam estranheza e evidenciam a intenção do Representado de evitar a atuação do Instituto Médico Legal no esclarecimento dos motivos que levaram à morte da criança.

Conforme amplamente demonstrado até aqui, os fatos e documentos trazidos ao conhecimento deste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar sugerem a prática de condutas graves, atuais e determinadas envolvendo o Representado, fundadas em amplo conjunto probatório, que apontam para a incidência do representado em quebra de decoro parlamentar.
IV - A PRÁTICA DE ATO ATENTATÓRIO AO DECORO PARLAMENTAR

A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro - LOM determina, em seu art. 49, que “Perderá o mandato o Vereador: (...) II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; (...)”.

A regulamentação infralegal da matéria foi instituída pela Resolução nº 1.133, de 3 de abril de 2009, que criou o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar no âmbito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, além de disciplinar o processo de aplicação de penalidades aos vereadores e dispor sobre os procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar.

Veja-se o que determinam os art. 5º e 3º da mencionada Resolução:

“Art. 5º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis:
I – descumprir os deveres fundamentais estabelecidos no art. 3°;
(...)
IV- praticar tráfico de influência com o objetivo de encobrir delitos penais praticados por terceiros;

“Art. 3° O Vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro exercerá seu mandato com observância das normas constitucionais, legais, regimentais e das contidas nesta Resolução, sujeitando-se aos procedimentos disciplinares nela previstos e cumprindo os deveres fundamentais previstos no art. 9° do Regimento Interno.”

Apesar de não haver no ordenamento jurídico definição rígida do conceito de decoro parlamentar, a legislação local acima transcrita prevê condutas específicas que configuram procedimentos incompatíveis com o decoro. Para além de tais balizas, destacamos o Glossário de Termos Legislativos do Senado Federal, segundo o qual: “decoro parlamentar são princípios éticos e normas de conduta que orientam o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato e que dispõem sobre o processo disciplinar respectivo".2 Portanto, a quebra de decoro parlamentar configura um tipo aberto, que congrega todo e qualquer ato de ruptura do dever de ética e decência que deve guiar a conduta parlamentar e cuja violação enseja a sanção política de perda do mandato.

2 BRASIL. Senado Federal. Glossário de termos legislativos.: Grupo de Trabalho Permanente de Integração da Câmara dos Deputados com o Senado Federal, Subgrupo Glossário Legislativo, 2018. -- 1. ed. - Brasília. Disponível aqui. p-25.

O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, enfrentando a questão do decoro parlamentar, mas sob outra perspectiva (ADI 4889, Rel. Min. Carmen Lúcia), teve oportunidade de juntar lição doutrinária que se amolda à espécie (grifamos):

8. Sobre o decoro parlamentar, José Anacleto Abduch Santos, ensina: “(...) é o conjunto de princípios éticos e normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar no exercício de seu mandato. (...) O parlamentar deve guardar conduta compatível com a dignidade da função pública e do mandato recebido - o que deve ser interpretado em conformidade com os princípios constitucionais a que estão sujeitos os agentes públicos”. (…) O parlamentar, como todo agente público, tem o dever do decoro - dentro e fora do Parlamento! Tem o dever de, com sua conduta, transmitir aos seus outorgantes (o povo) uma mensagem clara de respeito aos padrões sociais contemporâneos de moralidade, ética, honestidade e probidade. O Parlamento é instituição fundamental e indispensável à democracia, e seus integrantes recebem a responsabilidade de exercer com dignidade e honra a função parlamentar e a de prestar contas quanto aos deveres outorgados junto com o mandato recebido - o que inclui o dever de observância das leis e normas vigentes, de retidão moral e de caráter (Decoro parlamentar. Boletim de direito municipal: BDM, 2008, v. 24, n. 10, páginas 751-752).

Conforme se extrai dos elementos probatórios constantes no inquérito policial, estão presentes sólidos indícios de materialidade e autoria a revelar a participação do Representado em conduta passível de responsabilização criminal a cargo do Poder Judiciário, e política, de competência exclusiva deste Poder Legislativo. Todo o substrato probatório que embasou a prisão do ora Representado constitui elemento suficiente a ensejar o oferecimento da presente Representação por ato atentatório ao decoro parlamentar, já que todos os cenários apontam para a autoria do Vereador Dr. Jairinho no covarde assassínio do pequeno Henry, o que certamente não poderá passar, e não passará, impune por esta Casa de Leis.

Não se trata aqui de condenação sumária ou de violação à presunção de inocência, na medida em que, após o recebimento da presente Representação pela Mesa Diretora e o exercício do juízo de admissibilidade pela Comissão de Justiça e Redação, este Conselho de Ética garantirá ao Representado o exercício do contraditório e o direito de apresentar provas em sua defesa, nos termos da Resolução Plenária nº 1.133/2009. Ademais, este Poder Legislativo possui autonomia e legitimidade para a tomada de decisões juspolíticas que busquem tutelar bens jurídicos como a moralidade e a honra do parlamento.

A natureza juspolítica do procedimento previsto na mencionada Resolução e a independência entre esta instância e a instância judicial garantem a esta Casa Legislativa a prerrogativa de atuar, desde já, na defesa do decoro parlamentar que se espera de seus vereadores, prescindindo da confirmação jurisdicional definitiva dos fatos imputados ao Representado.

Isto porque o cargo de vereador exige conduta estreita e ilibada por parte daquele que o exerce. O trabalho desempenhado nesta Casa repercute de forma inafastável no cotidiano da cidade e depende da confiança dos cidadãos em seus lídimos representantes para a sua legitimidade. Nessa linha de raciocínio, é inequívoco que, independente do exaurimento do processo criminal, o Vereador Jairinho perdeu inteiramente as condições éticas e políticas para integrar esta Casa de Leis.

Assim, os concretos indícios de envolvimento do Representado – que, re pita-se, estão demonstrados no conjunto probatório reunido até o momento – em crime de tal ordem – o assassinato de uma criança de apenas 4 anos de idade, que choca e entristece todo o país, são suficientes para justificar, no caso, a abertura de processo ético-disciplinar para apurar a quebra do decoro parlamentar, passível de punição com a perda de mandato, nos moldes do art. 7º, IV, da Resolução nº 1.133/2009.

Cabe aqui lembrar a lição do então Ministro Celso de Mello ao decidir o pedido de medida liminar no MS nº 24.458-DF:

Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar culmina por atingir, injustamente, a própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo, nesse ponto, a legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de cassação do mandato parlamentar, em ordem a excluir, da comunhão dos legisladores, aquele - qualquer que seja - que se haja mostrado indigno do desempenho da magna função de representar o Povo […].
[…] Cumpre insistir na asserção de que a prática de atos atentatórios ao decoro parlamentar, mais do que ferir a dignidade individual do próprio titular do mandato legislativo,
projeta-se, de maneira altamente lesiva, contra a honorabilidade, a respeitabilidade, o prestígio e a integridade político-institucional do Parlamento, vulnerando, de modo
extremamente grave, valores constitucionais que atribuem, ao Poder Legislativo, a sua indisputável e eminente condição de órgão da própria soberania nacional”.

À luz dessas razões e de todos os elementos de prova carreados no bojo do inquérito policial, este Conselho de Ética, à unanimidade de votos dos seus membros, oferece a presente Representação em face do Senhor Vereador Jairo Souza Santos Junior, apontando-o como incurso na penalidade de perda do mandato.
CONCLUSÃO

Por todo exposto, requerem os autores representantes:

(a) O recebimento da presente representação pela Mesa Diretora desta Casa e o seu encaminhamento à Comissão de Justiça e Redação para a análise de sua juridicidade, nos termos do art. 9º, da Resolução nº 1.133/2009, a fim de que, em sequência, este Conselho de Ética e Decoro Parlamentar proceda a instauração de processo ético-disciplinar, na forma do art. 12, da Resolução nº 1.133/2009); e

(b) Ao final, concluindo-se pela prática de ato atentatório ao decoro parlamentar, a aplicação da penalidade de perda de mandato do Senhor Vereador, Dr. Jairinho, nos termos do art. 49, II, da LOM, e do art. 5º c/c art. 3º, da Resolução nº 1.133/2009.

(c) Protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos, em especial pela produção de provas testemunhal e documental complementar.
Plenário Teotônio Villela, 26 de abril de 2021.

CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

Vereador ALEXANDRE ISQUIERDO
Presidente

Vereadora ROSA FERNANDES
Vice-Presidente
Vereador DR. ROGERIO AMORIM
Secretário

Vereador CHICO ALENCAR

Vereador LUIZ RAMOS FILHO

Vereadora TERESA BERGHER

Vereador ZICO



Texto Original:



Legislação Citada



Atalho para outros documentos



Informações Básicas

Regime de TramitaçãoOrdináriaTipo Ofício TCM

Datas:
Entrada 04/26/2021Despacho 04/26/2021
Publicação 04/27/2021Republicação

Outras Informações:
Pág. do DCM da Publicação 2 a 18 Pág. do DCM da Republicação
Tipo de Quorum a Motivo da Republicação


Observações:


Despacho:


DESPACHO: A imprimir
A imprimir e àComissão de Justiça e Redação.
Em 27/04/2021
CARLO CAIADO - Presidente


Comissões a serem distribuidas

01.:Comissão de Justiça e Redação

Show details for TRAMITAÇÃO DO  OFÍCIO Nº 1TRAMITAÇÃO DO OFÍCIO Nº 1
Hide details for TRAMITAÇÃO DO  OFÍCIO Nº 1TRAMITAÇÃO DO OFÍCIO Nº 1

Cadastro de ProposiçõesData PublicAutor(es)
Hide details for OfícioOfício
Hide details for 2021110140120211101401
Red right arrow IconHide details for REPRESENTAÇÃO PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR PARA APURAR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR PELO SENREPRESENTAÇÃO PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ÉTICO-DISCIPLINAR PARA APURAR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR PELO SENHOR VEREADOR DR. JAIRINHO => 2021110140104/27/2021Conselho De Ética E Decoro Parlamentar
Blue right arrow Icon Distribuição => Comissão de Justiça e Redação => Relator: VEREADOR DR. GILBERTO => Ofício => Parecer: Pela Juridicidade, Legalidade e Regimentalidade05/04/2021
Blue right arrow Icon Ofício Origem: Conselho de Ética e Decoro Parlamentar => Destino: Presidente da CMRJ => Parecer => 06/18/2021




   
Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Acesse o arquivo digital.