Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar o recebimento do Ofício M-A/nº 419, de 26 de dezembro de 2017, que encaminha o autógrafo do Projeto de Lei nº 138, de 2017, de autoria do Ilustre Senhor Vereador Jair da Mendes Gomes, que “Determina o destombamento parcial do Cinema Guaraci, localizado no Bairro de Rocha Miranda, na Cidade do Rio de Janeiro, bem como autoriza a exploração comercial de seus espaços”, cuja segunda via restituo com o seguinte pronunciamento.
Apesar de louvável o seu escopo, o Projeto apresentado por essa Egrégia Casa de Leis não poderá lograr êxito, por força dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade que o acometem.
A proposta legislativa visa a retirar parcialmente a proteção conferida pelo tombamento, por interesse histórico e arquitetônico, do Cinema Guaraci, localizado no bairro de Rocha Miranda, Município do Rio de Janeiro.
Inicialmente, cabe registrar que a Constituição Federal, através do seu art. 216, impõe ao Poder Público o encargo da promoção e da proteção do patrimônio cultural brasileiro, prevendo diversas formas de acautelamento e preservação, dentre elas o tombamento.
O tombamento, assim como a retirada do imóvel do Livro do Tombo é o ato administrativo pelo qual o Poder Público declara formalmente o conteúdo histórico, cultural, artístico, turístico, ecológico, paisagístico ou científico de determinado bem móvel ou imóvel, decorrendo daí o interesse público em preservá-lo e protegê-lo.
Deste modo, o ato administrativo encerra um juízo de conveniência e oportunidade, havendo para o administrador a liberdade para a escolha de tombar ou não, assim como de extinguir a proteção jurídica conferida, embora o exercício de ambos os direitos estatais de tombar ou de retirada do Livro de Tombo estejam sujeitos aos parâmetros da ordem jurídica. Tal poder de decisão é privativo do Administrador, não competindo ao Poder Legislativo exercê-lo através de ato legislativo.
Não foi outro o entendimento do Egrégio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos que atribuem à Câmara Municipal competência para praticar e ratificar atos específicos de tombamento e de destombamento de bens previstos na Lei nº 928, de 22 de dezembro de 1986.
Portanto, o Projeto denota notória interferência legislativa, não autorizada pela Constituição, em atividade típica do Executivo, qual seja, a de extinção, ainda que parcial do tombamento de bens, uma vez que esta pressupõe um juízo de conveniência e oportunidade que depende da análise privativa do Prefeito.
A atividade legiferante da Câmara Municipal, no que concerne ao tombamento, está adstrita à proposição de normas genéricas, sendo o ato de tombamento propriamente dito, específico e de efeitos jurídicos concretos, afeto à análise reservada do Chefe do Poder Executivo local.
Assim, ao imiscuir-se em seara que não lhe é própria, o Legislativo Municipal ofendeu o princípio da separação e harmonia entre os Poderes estabelecido no art. 2º da Carta Magna e repetido, com arrimo no princípio da simetria, nos arts. 7º e 39 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, respectivamente.
Importante destacar que o tombamento do imóvel permite que sejam feitas modificações e adequações às novas demandas espaciais de atividades tanto culturais como comerciais e de serviços, nem compromete a importância e a integridade do bem tombado, o que parece tornar o Projeto de Lei em tela, se aprovado, inócuo.
Pelas razões expostas, sou compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 138, de 2017, em função dos vícios de inconstitucionalidade que o maculam.
Aproveito o ensejo para reiterar a Vossa Excelência meus protestos de alta estima e distinta consideração.
MARCELO CRIVELLA