Art. 1º A Seção IV – Da Saúde e da Higiene, do Capítulo IV – Do Desenvolvimento Social, do Título VI – Das Políticas Municipais, da Lei Orgânica do Município fica acrescida da seguinte Subseção V A - Da Assistência e Proteção à Sexualidade:
“TÍTULO VI - DAS POLÍTICAS MUNICIPAIS
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CAPÍTULO IV
Do Desenvolvimento Social
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Seção IV
Da Saúde e da Higiene
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Subseção V
Da Assistência à Mulher
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Subseção V A
Da Assistência e Proteção à Sexualidade
Art. 370 A A política de assistência e proteção à sexualidade será composta por serviços e programas de forma a garantir a concretização dos direitos fundamentais do cidadão, com padrões éticos de dignidade e não violência na realização de mínimos sociais e dos direitos de cidadania, nos termos da Constituição Federal, da Lei Orgânica do Município e desta Emenda à Lei Orgânica.
§ 1º Para os fins desta Emenda à Lei Orgânica, sexualidade é o conjunto de mecanismos que regula, amplifica e reproduz o uso inteligente e/ou integral dos recursos do ser humano com discernimento, como fonte de vida orgânica e atividade criativa da vida, desenvolvendo características biopsicossociais fundamentais ao desenvolvimento do cidadão como pessoa e das pessoas como um todo.
§ 2º A política de que trata o caput se traduz pela disponibilização e manutenção de uma rede de serviços e programas de caráter público, com padrões de qualidade, direcionados às pessoas, e que incluam desde ações emergenciais até atenções de caráter informativo, social, educativo, médico e psicológico/psiquiátrico entre outros, permanentemente.
§ 3º As ações administrativas devem ter caráter intersetorial de modo a garantir a unidade da política de trabalho dos órgãos municipais competentes, na execução dos serviços e programas dispostos na presente Emenda à Lei Orgânica.
§ 4º São considerados como mínimos sociais de cidadania, para os fins desta Emenda à Lei Orgânica, o alcance sem discriminação ao conjunto de condições básicas que produzem a segurança da existência e da sobrevivência cotidiana e da dignidade humana, conforme o disposto nos arts. 5º e 12 da Lei Orgânica do Município.
Art. 370 B A assistência e a proteção à sexualidade deverão observar os seguintes princípios:
I - o respeito à dignidade de todo e qualquer ser humano;
II - o mínimo de privacidade como condição inerente à sobrevivência, existência e cidadania;
III - a garantia da supressão de todo e qualquer ato violento e de comprovação vexatória de necessidade;
IV - a não discriminação no acesso a quaisquer bens e serviços, principalmente os referentes à saúde e educação, não sendo permitido tratamento degradante ou humilhante;
V - o direito de manter a dignidade da pessoa de modo que ela possa obter condições mínimas de sobrevivência e o direito de conservar a sua convivência comunitária;
VI - o direito ao exercício da cidadania por meio de organizações representativas e na proposição de ações que digam respeito à pessoa;
VII - a garantia da capacitação, treinamento e aperfeiçoamento dos recursos humanos que operam as atenções à assistência e proteção à sexualidade.
Art. 370 C A assistência e a proteção à sexualidade objetivam produzir condições para alcance de padrões sociais básicos e a garantia de mínimos sociais como direitos de cidadania.
§ 1° O alcance de padrões básicos supõe:
I - o suprimento de necessidades básicas priorizadas a sobrevivência da unidade familiar e dos segmentos fragilizados;
II – a qualificação progressiva das necessidades e dos padrões respectivos em decorrência do avanço econômico, social e civilizatório da sociedade.
§ 2º São entendidos como segmentos fragilizados aqueles que não dispõem, por circunstância ou em definitivo, da plenitude de autonomia ou que estão sujeitos a uma condição de efetivo risco social ou de efetiva discriminação.
§ 3º Inclui-se na condição de segmentos fragilizados a criança, o adolescente em situação de risco, a pessoa com deficiência, a mulher vítima de violência, as pessoas idosas, as pessoas em situação de rua, os portadores da doença da dependência química, os homossexuais e transsexuais e as pessoas vítimas de homofobia, lesbofobia e transfobia, e as pessoas portadoras da dependência emocional e sexual.
Art. 370 D Os serviços e programas direcionados à assistência e proteção à sexualidade serão realizados através da rede municipal e/ou por contratos e convênios de prestação de serviços com associações civis de assistência social, educacional, médica e psicológica, em parceria com o Sistema Único de Saúde conjugada com a participação de grupos anônimos de mútua ajuda, sob a supervisão dos órgãos municipais competentes.
Art. 370 E A política de assistência e proteção à sexualidade será composta dos seguintes serviços e programas os quais configuram padrões mínimos de qualidade:
I - programa especial de atendimento escolar sobre a sexualidade humana e a instituição familiar;
II - programa de educação da sexualidade para os alunos da rede municipal de ensino público, nos termos da legislação em vigor;
III - programa de incentivo à paternidade responsável, nos termos da legislação em vigor;
IV - serviço de orientação para o exercício da sexualidade responsável, sobre a problemática da gravidez na adolescência e sobre as doenças sexualmente transmissíveis e suas formas de contágio e prevenção;
V - inclusão, como disciplina opcional ou eletiva, no currículo do sétimo ao nono ano da rede municipal de ensino, de noções sobre a sexualidade de uma maneira geral, a dependência emocional e sexual, a gravidez na adolescência e suas consequências biopsicossociais respectivas;
VI - campanhas regulares e frequentes de informação, esclarecimento e conscientização das consequências decorrentes da doença da dependência emocional e sexual, da gravidez na adolescência e as consequências biopsicossociais respectivas;
VII - campanhas de informação sobre as consequências biopsicossociais do uso recorrente e/ou abusivo de CD’s e DVD’s e outros meios similares de conteúdo pornográfico e/ou erótico, de páginas nas redes sociais e Internet, canais de TV a cabo ou satélite com transmissão de vídeos e filmes pornográficos e/ou eróticos, de classificados de jornais e revistas especializadas, ambos com anúncios classificados de profissionais do sexo e estabelecimentos congêneres assim como suas variações;
VIII - locais de pronto atendimento às pessoas vítimas de homofobia, lesbofobia e transfobia e à pessoa dependente emocional e sexual, que não disponham de recursos em espécie, tais como, medicamento, alimentação, aconselhamento terapêutico de emergência entre outros complementos de atenção necessários aos casos verificados, principalmente os de baixo rendimento salarial ou sem rendimento de qualquer espécie;
IX - serviço de amparo às pessoas vítimas de violência e abuso sexual, com assistência médica e psicológica, realização de exames periciais em hospital e transporte especial descaracterizado da delegacia de polícia para o hospital;
X - sanções, na esfera de competência do Município, à firma individual e à empresa jurídica de direito privado em cujo estabelecimento seja praticado ato vexatório, discriminatório ou atentatório contra a sexualidade da pessoa, individualmente ou em grupo, nos termos da legislação em vigor;
XI - programas e projetos sociais com implantação e manutenção de serviços assistenciais e preventivos realizados nas ruas, casas noturnas e estabelecimentos congêneres, hospitais e instituições afins, empresas, associações de moradores entre outras possibilidades, através de educadores capacitados com pedagogia própria a este segmento da sociedade, tais como os membros responsáveis pelos organismos de serviço de grupos anônimos de mútua ajuda que recebem, acolhem e trabalham com a pessoa dependente emocional e sexual;
XII - centros de tratamento e convivência para a pessoa dependente emocional e sexual, que se utilizem de equipe transdisciplinar tendo como referência para o tratamento o modelo pioneiro de Doze Passos de Alcoólicos Anônimos;
XIII - casas-abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência e abuso sexual, com funcionamento permanente fornecendo condições para assepsia pessoal, alimentação, serviços de documentação e referência na cidade;
XIV - programa de atendimento domiciliar de emergência à pessoa dependente emocional e sexual e à pessoa vítima de violência e abuso sexual conjugado com a orientação à respectiva família com apoio médico, psicológico, social, de enfermagem e de cuidados de assepsia pessoal;
XV - serviços de referência que mantenham cadastro atualizado, por área geográfica, das alternativas de atendimento disponíveis para orientação e encaminhamento das vítimas de violência e abuso sexual, da pessoa dependente emocional e sexual, dos casos de gravidez na adolescência, bem como dos familiares respectivos.
Art. 2º Esta Emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação.
Plenário Teotônio Villela, 8 de março de 2017.
Vereador OTONI DE PAULA
Vereador JOÃO MENDES DE JESUS
No início do século XIX a loucura foi transformada pela psiquiatria em doença mental. Em seguida, a determinação do surgimento da clínica a partir da articulação da medicina com a anatomia patológica e o hospital. Depois, a explicitação das condições de possibilidade das ciências humanas que mostrou ser o homem uma invenção recente no campo do saber. E, mais recentemente, a descoberta da prisão como instituição da modernidade que tem como objetivos recuperar os criminosos e criar um tipo específico de delinquente. Agora é a vez da sexualidade.
O cenário na Cidade do Rio de Janeiro, no campo da manifestação disfuncional da sexualidade, revela dados e informações de institutos de pesquisas e universidades (ISER, IUPERJ, UERJ, UFF, UFRJ etc) impressionantes:
Muitas pessoas falam de experiências sexuais quase mortais causadas por acidentes, violências de todo tipo, em especial aquelas direcionadas às chamadas minorias sexuais, situações de alto risco ou estupro. Outros reconhecem que a SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) também conhecida como AIDS, talvez seja a complicação mais letal no seu caso. Cerca de 40% perderam um parceiro(a), companheiro(a) ou esposo(a) e em torno de 70% tiveram graves problemas no casamento ou relacionamento afetivo. Cerca de 13% perderam o direito aos filhos e aproximadamente 8% foram obrigados a cortar laços familiares. As mulheres relatam profundas sequelas, de várias naturezas, ocasionadas por aborto (38%) e gestações indesejáveis (42%). Cerca de 58% das pessoas estão com sérias complicações de ordem financeiras. Cerca de 27% perderam a oportunidade de trabalhar na carreira escolhida. Aproximadamente 79% informaram sérias perdas de produtividade no trabalho, e 11% foram rebaixadas de cargo ou demitidas. Cerca de 65% dos universos pesquisados confirmam risco diário de contrair doenças venéreas. Cerca de 58% das ocorrências policiais não efetivadas em boletins têm como origem complicações e/ou desordens de natureza sexual e emocional.
Terá a sexualidade sido bruscamente censurada, reprimida com o advento do capitalismo, depois de ter vivido de palavras e atos? A sociedade do Capital (K, de Kapital para os economistas) não obrigou o sexo a calar-se ou a esconder-se. Ao contrário, desde meados do século XVI o sexo foi incitado a se confessar e a se manifestar, conforme demonstra Michel Foucault ao longo da sua História da Sexualidade (Edições Graal, 1978). Uma proliferação de discursos tem tido lugar na sociedade. Isto não se caracteriza por uma existência lateral, ilícita; por ser justamente o poder, nas suas múltiplas formas e consequentemente múltiplas implicações, quem nos convida a enunciar nossa sexualidade através de instituições como a Igreja, a escola, a família, o consultório médico entre outras, e de saberes como demografia, biologia, medicina, psicologia, psiquiatria, ética, moral, pedagogia entre outros.
A Cidade do Rio de Janeiro deve definir mecanismos de ação relativos a uma política de assistência e proteção à sexualidade a partir de serviços e programas direcionados ao conjunto das pessoas em seus mais diversos segmentos sociais, em especial aqueles que se encontram comprometidos em razão da idade, da condição de moradia, da disfuncionalidade familiar, do gênero e das opções de sexualidade. Assim é necessário prestar serviços, sob uma forma mais inclusiva e diferenciadora, e empreender programas de atenção aos segmentos fragilizados e despossuídos dos cidadãos a partir de um trabalho de informação, conscientização e proteção destes prioritariamente.
O modelo de política proposto neste Projeto de Emenda à Lei Orgânica trata da sexualidade como um processo onde são abordados os aspectos físicos (médico/clínicos), emocionais (psicológico/psiquiátricos) e espirituais (ético/morais). Os casos e/ou situações especiais são abordados pela perspectiva da reconstrução sem viés de cura, como as experiências pioneiras e bem sucedidas dos grupos anônimos de mútua ajuda baseados no modelo pioneiro de 12 passos de Alcoólicos Anônimos e Al-Anon (Familiares de Alcoólicos Anônimos), tais como Co-Dependentes Anônimos, Dependentes de Amor e Sexo Anônimos, Sexólicos Anônimos, Emocionais Anônimos entre outras. Desta forma será possível encontrar alternativas para enfrentar as dramáticas situações verificadas no início dessa justificativa, além de muitas outras em respeito ao atendimento dos direitos fundamentais do cidadão nos termos da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município.
Finalmente, um importante aspecto legislativo. O assunto em tela é polêmico; bastante polêmico. Até porque trata de uma realidade que é vista como um tabu e/ou pré-conceito. Mas como parlamentar carioca, honrando a vanguarda e a inovadora forma de pensar e agir tão característica da alma carioca eu não poderia me furtar ou recusar a encará-la e/ou tergiversar sobre ela. Penso, humildemente, que o momento da sociedade carioca em relação às questões aqui tratadas é agora. Ao longo de várias legislaturas o tema objeto da proposição de minha autoria foi abordado por doutos e nobres parlamentares, mas jamais foi tratado pela Constituição do Estado da Guanabara (Emenda Constituicional N° 4, de 30 de outubro de 1969), pela Constituição Estadual de 1989, até mesmo pela Constituição Federal de 1988 - a Constituição Cidadã - e pela própria Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro. As matérias oriundas do legislativo carioca a partir dos anos 1990 tratavam da questão de forma tímida e parcial (quando o faziam) e/ou apresentavam determinados equívocos na concepção da temática e vícios de inconstitucionalidade, seja na base da sua formulação, seja pelo contexto histórico e político-social de época, seja em razão do tempo decorrido a partir de sua apresentação. A criação de matérias codificadas, de atribuições expressas para órgãos do Poder Executivo, de vedações explícitas para o Município, do estabelecimento de prazos para o Poder Executivo, além de inúmeras e incontáveis despesas criadas para o erário são alguns dos exemplos de incorreções estruturais daquelas iniciativas.
As modificações para realizar as adequações de tais iniciativas aos fins aqui pretendidos seriam várias, e não poderiam ser feitas item a item, pois, numerosas, implicariam também, em mudança substancial dos conteúdos das proposições originais, bem como a elaboração de inúmeras alterações de lei e de substitutivos à projetos de lei arquivados e/ou em tramitação. Assim, de forma a manter e guardar relação direta com a matéria em si, e fazer as atualizações, correções e retificações necessárias e, o mais importante, de tratar o tema e a temática objetivamente, sem rodeios, penumbras, áreas cinzentas e/ou omissões de qualquer natureza é que foi apresentado o Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PELOM) em questão.
A Lei Orgânica do Município não pode mais ficar com essa lacuna sem ser preenchida, uma espécie de arena de conflitos e disputas de toda a sorte onde estão gravadas as expressões dramáticas - de drama social - da sociedade carioca em relação à sexualidade e suas múltiplas formas de manifestação e representação; o assunto tem de ser tratado de frente, sem raciocínios e afirmações fechadas ou bombásticas, sem escamoteações e sem pré-conceitos de qualquer lógica ou ordem ou natureza; um assunto fundamental que reside no interior da sociedade carioca cuja fotografia está registrada politicamente no Plenário da Câmara Municipal, e na composição dos parlamentares eleitos por ela própria – a sociedade carioca – quer se goste ou não. Na realidade, o PELOM está assentado muitas vezes na não ação parlamentar ao longo do tempo, muitas vezes também, no resultado do esforço admirável e louvável trabalho de parlamentares de outras legislaturas, inclusive desta da qual tenho orgulho de fazer parte. Eu não poderia abordar e tratar de tema/temática tão fundamental e difícil de trabalhar sem o notável esforço feito por aqueles que me antecederam no legislativo carioca. Aliás, eu só pude fazê-lo porque outros assim o fizeram antes de mim.
Pelo exposto, peço o apoio de meus ilustres pares da Xª Legislatura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.