A primeira instituição judaica fundada na cidade foi a União Shel Guemilut Hassadim, estabelecida em 1840-1850 por judeus marroquinos migrantes de Belém. Ela segue funcionando e é frequentada por judeus sefaraditas descendentes de marroquinos, turcos e egípcios.
É no século 20 que a imigração judaica no Rio de Janeiro se consolida da seguinte forma: dos anos 1910 até 1930 chegaram judeus vindos da Rússia, Polônia e Romênia e se concentraram na Praça Onze, onde constituíram um bairro judeu até a década de 1940, quando a região passou por reformas e foi totalmente reurbanizada para construção da Avenida Presidente Vargas, e nas décadas seguintes, do Metrô e do Sambódromo.
Na Praça Onze viviam judeus asquenazitas, que falavam a língua russa, polonesa e ídiche, conviviam com outros imigrantes na mesma situação de carência ou talvez um pouco menos, como os italianos e os portugueses, bem como negros libertos da escravidão, vindos anos antes da Bahia. Por isso, a Praça Onze também é lembrada como o berço do samba. O fato é que ela foi sem dúvida o berço da cultura judaica no Rio de Janeiro: lá surgiu a imprensa judaica, primeiramente em iídiche, depois em português, estabeleceram-se associações culturais, sociais, beneficentes como Froien Farain e Wizo, sinagogas, escolas. O berço da cultura judaica asquenazita carioca é a Praça Onze, que fervilhava de grupo de todas as tendências políticas: os progressistas, chamados de roiters, e os sionistas. Não muito longe dali, na Rua da Alfandega, na região conhecida hoje como Saara, concentraram-se a partir dos anos 1930 os imigrantes sírio-libaneses. Em seus documentos de viagem, constava a nacionalidade “turca”. Judeus e cristãos ortodoxos foram registrados no Brasil como turcos e assim também foram chamados os imigrantes que vieram dos países árabes. Viviam e trabalhavam no mesmo bairro.
Os sefaraditas eram os fornecedores, e os asquenazitas eram os ambulantes – klienteltchik. Esta era a primeira etapa profissional da Praça Onze. A partir dos 1920, vemos os judeus como artesãos e comerciantes, assim como proprietários de lojas, fábricas e negócios de móveis. Com a ascensão econômica e social, os judeus deixaram a região central e construíram outras sinagogas e instituições em seus novos bairros. Do centro, os menos abastados foram para os subúrbios; os mais abastados, para bairros nobres, como a Tijuca, desde a década de 1930 um dos bairros nobre da cidade. Com as reformas de urbanização, o centro assistiu à migração da comunidade sefaradita também que escolheu a Tijuca com bairro residencial.
O Grande Templo, fundado em 1933, continua no centro e abre apenas para as Grandes Festas. Já a Associação Israelita Bene Sidon, fundada em 1913 por um pequeno grupo de imigrantes do Líbano na região central, mudou de endereço várias vezes, até inaugurar em 1954 sua sede própria na Tijuca. Hoje centenária segue ativa.
Na segunda metade do século 20, os judeus se instalaram nos bairros da Zona Sul, deixando definitivamente a região central para trás. Copacabana já tinha nos anos 1940 registros de presença judaica, com o estabelecimento da sinagoga ortodoxa Beit Yaacov, em 1942. Com a ascensão econômica dos judeus e a imigração dos judeus egípcios, nos anos 1950, os bairros emergentes de Copacabana, Ipanema e Leblon se tornaram destinos naturais. São equipados hoje com escolas, lojas de produtos kasher e sinagogas.
A comunidade Judaica no Brasil é a segunda mais importante da América Latina, com 120 mil judeus entre os 204 milhões de brasileiros, ou seja, 0,06% da população. O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu, em 1947, a reunião da Assembleia Gerald a ONU que votou a Partilha da Palestina e engendrou a criação do Estado de Israel, em 1948. O Brasil reconheceu Israel em 1949 e abriu uma embaixada em Tel Aviv em 1952. No período 1956–57, cerca de 2.500 judeus do Egito, mil do Norte da África (principalmente Marrocos) e alguns milhares de judeus da Hungria entraram no Brasil. Importantes organizações foram também fundadas no pós-guerra nas principais capitais e a vida institucional judaica se desenvolveu plenamente. Apenas como exemplo: em São Paulo foram fundados o clube Hebraica, em 1953, e o Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado em 1971.
A imigração no Rio de Janeiro : Por volta de 1956 houve, no Egito, perseguição aos judeus. Consequentemente, a maioria migrou para outros países, inclusive o Brasil. Nessa ocasião foi constituída, no Rio de Janeiro, uma comissão para receber esses correligionários e instala-los da melhor maneira. Ao aproximarem-se os dias de Rox-HashaniÍ e Yom Kipur e como o grupo de egípcios era numeroso, houve dificuldade de colocá-los nas sinagogas.
Dentro do imenso panorama da imigração no Brasil, o caso dos judeus vindos do Egito que se instalaram no Rio, o relato das entrevistas é sempre emocionado, pois a memória volta para aqueles momentos decisivos, de corte em suas vidas, as tensões criadas no país natal. Imigração compulsória é uma imposição dolorosa. Sem motivos palpáveis, dói mais ainda. É preciso notar que eles preferem falar em francês, para a maioria, a língua materna.
Essa história foi vivida, sofrida por um pequeno grupo de pessoas que migrou para o Brasil, mais precisamente para o Rio de Janeiro. Vieram todos de Alexandria ou do Cairo, com pouco dinheiro no bolso, largando seus bens, suas lojas, sinagogas, clubes, amigos para trás. A história é contada em fragmentos aos mais novos, cada um a sua maneira. A maioria é naturalizada brasileira tem filhos e netos nascidos no Brasil, frequentam clubes, boates, livrarias, enfim são cidadãos cariocas. Essas histórias de vida são relatadas sob forma de entrevistas. Por outro lado, um levantamento no Arquivo do Rio de Janeiro, com a lista de vapores e as fichas dos passageiros está permitindo listar nomes dos imigrantes. Em sua maioria, vêm famílias inteiras avós, pais e filhos em navios que fizeram a rota Alexandria/Gênova/Rio de Janeiro. - “Fomos forçados a deixá-lo porque houve um movimento ao mesmo tempo antissemita e xenófobo. Então do dia para o outro tivemos de sair do Egito. Tenho a impressão que para nós, mais jovens na época, tínhamos 20, 21 anos, começou antes, lá pelos 18, mas nos primeiros tempos não pensávamos em sair. Pensávamos que ia passar. Tenho essa impressão. Pelo menos na minha cabeça ia passar. Nunca pensei que um dia eu seria considerada como uma não egípcia. Apesar de não ser egípcia, pois era de pais estrangeiros, então automaticamente não era egípcia. Mas isso não vinha à minha cabeça, eu adorava o Egito, e de repente de um dia para o outro foi preciso deixá-lo. (voz embarga – pausa). A escolha do país foi rapidamente decidida. A maioria dos países fechava as portas aos estrangeiros de uma certa idade. Osvaldo, por exemplo, poderia ter trabalhado nos EUA. (...) mas nossos pais não poderiam. (...) Considerávamos a Europa como um país velho. Seria muito difícil recomeçar a vida lá. Então pensamos num país jovem. O Canadá me parecia muito frio na época. (...) é engraçado porque trata-se de um detalhe.. Depois o Brasil me parecia realmente um país do futuro, um país que nos receberia todos, e foi isso que nos aconteceu. Saímos como uma grande tribo. Éramos 17 no navio”. É comum entre os entrevistados uma certa resistência à saída. Alexandria era cosmopolita, uma cidade fascinante que recebia as companhias de teatro francesas, cantores e cantoras europeus e americanos. Os filmes não demoravam a chegar. Por sua posição privilegiada no Mediterrâneo, o comércio entre oriente e ocidente por ali passava. O período que vai de 1850 até 1930 é o período que se rotula como Época de Ouro da comunidade judaica no Egito. A comunidade era em sua grande maioria europeizada, com alto nível de escolaridade, de um meio sociocultural em geral superior à média, que já era alta. A partir dos anos 30, começa uma série de medidas que vão atingir a importante comunidade estrangeira do Egito e entre eles, os judeus: dificuldade para obtenção da nacionalidade egípcia (lei de 1929 sobre a nacionalidade), supressão das Capitulações (acordos de Montreux de 1937 que se efetivam em 1949), a lei da nacionalização das empresas, que obrigavam as empresas a empregar 95% de egípcios (1947). É preciso lembrar que a maioria dos judeus que lá viviam não tinha passaporte, viviam como apátridas, pois o pertencimento religioso era mais importante do que o nacional. A historiadora Marion Germain nos esclarece alguns pontos: “Muitos judeus, para obter os benefícios das vantagens das Capitulações, procuraram, por meios fantasiosos e na maioria das vezes pagando muito caro, passaportes estrangeiros. (...) Somente uma minoria de 10 a 15% dos judeus que viviam no Egito tomaram providências para obter a nacionalidade egípcia, numa época onde isso ainda era possível.” Era uma situação nova que enfrentavam naquele momento, pois todos os grupos de fé religiosa e nacionalidades diferentes conviviam pacificamente até então, como ilustra Ruth Leftel: “Com a ocupação britânica do Egito em 1881, a situação dos estrangeiros entre os quais os judeus, melhoraram ainda mais. Estes foram ocupando lugar de destaque na economia e na sociedade. Aos poucos os judeus ricos deixaram os antigos bairros de Cairo e Alexandria e construíram grandes residências, formando novos bairros; construíram novas sinagogas e começaram ocupar espaço na vida pública também. (...) Podemos afirmar que no final do séc. XIX e na primeira metade do séc. XX, os judeus participaram enormemente do desenvolvimento econômico do país, mesmo sendo uma pequena minoria da população.”. Com a criação da Liga Árabe em 1945, a partilha da Palestina em 1947 e a criação do estado de Israel, os judeus foram considerados como inimigos e sionistas em potencial. Desde a declaração da guerra em 1948, os sionistas eram marcados e a maioria era presa, seus bens sequestrados. Foram expulsos em algumas horas. Esse período é contado pelo jornalista francês Gilles Perrault, no livro Un homme à part biografia do filho de banqueiros – Henri Curiel - que apesar de defender a nacionalização da indústria egípcia e fundar o partido comunista no Cairo, foi perseguido e expulso por ser judeu. Um dos entrevistados da pesquisa, Léon Levy, falecido ano passado aos 81 anos, sentiu a perda das vantagens de ser estrangeiro e judeu: Após 1948 a situação dos judeus mudou completamente. Tínhamos regalias, tribunais especiais, não nos misturávamos, tínhamos regalias. Era um privilégio ser judeu antes de 48. Todo mundo nos respeitava. Todos os bancos de Alexandria e do Cairo e mesmo do interior (...) para não dizer 100, 95% dos diretores eram judeus. Isso é uma coisa. Dois: o banco National Bank of Egypt, que emite as notas, tinha um contador judeu. (...)A Bolsa de Alexandria assim como a do Cairo, todos os corretores, todos os corretores, sem exceção, eram judeus. A exportação do algodão, estava inteiramente nas mãos dos judeus Em seu texto, Germain relata que naquela época as manifestações ainda tinham um caráter claramente anti-europeu, e não anti-judeu, e assim que o governo autorizou a saída dos judeus no início do ano de 1949, mais de 20 mil judeus, “os mais pobres, migraram para Israel”. A partir de 1951 a situação parecia ter se acalmado e a imigração praticamente cessou, sem contar alguns processos ideológicos de sionismo, por vezes injustos e nem sempre regulares. Um Egito integrado num circuito de troca mediterrâneas para um Egito recentrado no mundo árabe. No final de 1956, e início de 1957, logo após a nacionalização do Canal de Suez e a intervenção armada da França Grã-Bretanha e Israel, os cidadãos franceses e ingleses foram expulsos, entre eles, havia muitos judeus. Um número considerável de judeus apátridas foram forçados a deixar o país sob ações de intimidação, perda de seus trabalhos e sem perspectiva de conseguir outro. Vale lembrar que os judeus egípcios não tinham privilégios apesar de sua nacionalidade. Eles tinham o mesmo tratamento dos judeus apátridas, uma vez que, de um dia para o outro, podiam perder sua nacionalidade. Para saírem do país, passavam por uma negociação: tinham de assinar um documento confessando o desejo pessoal de abdicar da nacionalidade egípcia, deixando seus bens e sem intenção de voltar ao país natal. Dessa vez as dificuldades impostas aos judeus eram mais importantes, a distinção entre judeus e sionistas ficava cada vez mais clara, apesar dos cuidados dos dirigentes da comunidade judaica em dissociar-se do sionismo. Novas prisões aconteciam mais arbitrárias e em condições difíceis. Bens foram sequestrados. A situação econômica ficou muito difícil para muitos. Os judeus perceberam que não tinham mais futuro no país. Ficaram desempregados. Seguiu-se, então, um êxodo em massa. Entre eles, um pouco mais de 14 mil refugiaram-se em Israel. Várias ações sionistas tiraram judeus do Egito, em geral os judeus das classes mais pobres, muitas vezes com ajuda financeira dos mais ricos, que ainda acreditavam, após a criação do estado de Israel, que seriam poupados já que eram profissionais de importância no mercado. Mesmo para a imigração para Israel, os imigrantes deviam, além de pagar suas passagens, estar em boa saúde, pois Israel não podia receber doentes naquele momento. Os judeus partiam do porto de Alexandria e desembarcavam no de Haifa, recebidos por membros de agências judaicas que davam suporte às operações. É interessante notar que a saída do Egito não era oficial, pois eles saíam do país sem mencionar o país de destino. Conseguir vistos de saída para apátridas e egípcios era mais delicado, e só seria resolvido com negociações nem sempre às claras. Segundo Germain, os imigrantes podiam viajar levando de 20 a 100 libras egípcias, dependendo da época e de suas nacionalidades. Quanto às joias, as mulheres poderiam levar as suas até 50 libras e os homens 20. Os estrangeiros que na fossem israelitas tinham o direito de partir com cinco mil libras, todos seus móveis e suas joias. O calculo é que até 1951, cerca de 30 mil judeus deixaram o Egito. Nesta data, com a chegada ao poder do general Neguib a situação dos judeus parecia que melhoraria. Até que havia uma pequena melhora, mas em 1954 o cerco do governo se fechava sobre ações sionistas, e os judeus que haviam perdido seus empregos viviam em dificuldades, por isso a imigração recomeçava aos poucos. Eram os mais velhos e mais pobres. No final do ano de 1956, a comunidade judaica sofria mais pressões do governo, além de intimidações e cada vez os lugares nos navios eram mais disputados. As passagens custavam mais caro. A Comunidade judaica não dava mais conta de administrar as partidas e pediu ajuda à Cruz Vermelha Internacional, que em dezembro de 1956 enviou delegados ao Cairo, para cuidarem prioritariamente dos judeus egípcios e dos apátridas. O governo egípcio teve de aceitar a participação da Cruz Vermelha. Dessa forma começaria a operação conhecida como êxodus, na verdade mais de 3 mil anos após a “primeira saída” do Egito. A operação foi muito rápida, em janeiro de 1957, o primeiro navio fretado pela Cruz Vermelha deixava o porto de Alexandria rumando para Nápoles carregando cerca de mil refugiados, a maioria apátrida. As estatísticas da agência judaica indicam repercussões imediatas dessa operação, pois em janeiro de 1957, 2 mil 952 judeus vindos do Egito se instalaram em Israel. A operação de saída era intricada envolvendo agências judaicas de ajuda a imigrantes que incluía levantamento de fundos para as passagens, frete de navios. Depois da primeira partida dia 2 de janeiro de 1957, seguiu-se o de 21 de janeiro, depois um terceiro dia 8 de fevereiro. Em maio, o CICR já havia fretado o sétimo navio, mantendo esse ritmo até setembro do mesmo ano, quando partia a 14ª embarcação. Ao todo, 7 190 apátridas deixaram o Egito em menos de nove meses, a maioria engordando o lote de 13 mil 015 judeus originários do Egito que foram para Israel em 1957. A partir desta data, o CICR decidiu interromper as saídas coletivas. Já não havia mais candidatos para encher os navios, e por várias razões que Germain arrola: a primeira é que a maioria dos judeus que queriam sair do país já o haviam feito. Os outros que ficaram tinham muitos interesses no país para abandoná-los. Outros desejavam sair, mas não ir para Israel. Queriam seguir para um país sem guerras, no qual falassem a língua. Eles também ouviram falar das dificuldades de viver em Israel, principalmente para aqueles vindos de países orientais. Eles preferiam esperar para partir num momento mais propício “já se anunciava um momento favorável, pois o Brasil começava a distribuir vistos de entrada e corria o boato que os Estados Unidos fariam o mesmo”. Eles contam sua vinda ao Brasil em 1957 cada um tem seu relato, suas impressões sobre a cidade de Alexandria onde viveram a maior parte de suas vidas e da qual não imaginavam ter que sair um dia. A nostalgia, misturada com saudade e o gosto amargo da expulsão, transformam suas histórias em registro importante para a história da construção da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil. O que chama atenção, além das referências exatas a monumentos, lojas, cinemas, teatros, praias, é a memória de cada um sobre a viagem e a instalação de suas famílias no Rio. Enquanto Léon lembra exatamente de quanto investiu em sua fábrica, o preço dos objetos, do quilo do algodão, Sônia lamenta não assistir mais ao por do sol do norte da África, e Aída lembra com bom humor as trapalhadas da língua, os tempos difíceis em busca de emprego. Léon sentia ainda certa tristeza na expulsão: - “tivemos que sair em 15 dias como se fossemos criminosos, minha sogra, minha mulher, meu filho e eu, com 350 libras, que representavam 350 dólares” Sonia, lembra-se dos cheiros e perfumes de sua cidade, do por do sol cor de abóbora, das lavadeiras à beira do Nilo, e do Rio como cidade nova e hospitaleira. “O Egito me deixou lembranças extremamente coloridas, extremamente luminosas. é um país lindo. (…) Nunca vi um por de sol tão espetacular” Lágrimas caíam de seus olhos durante a entrevista. Atualmente, com 24 mil judeus, a cidade do Rio de Janeiro tem 24 sinagogas em funcionamento. Entre as quais apenas duas não são de denominação ortodoxa: a ARI – Associação religiosa Israelita e a CJB – Congregação Judaica Brasileira.
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