Ementa do Acórdão
| Supremo Tribunal Federal
Recurso Extraordinário nº 1.296.244 - Recte: Mesa Diretora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Decisão do Relator, Ministro Dias Toffoli, de 28 de outubro de 2021:
“Trata-se de recurso extraordinário interposto pela Mesa Diretora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro contra acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mediante o qual julgou procedente representação de inconstitucionalidade ajuizada contra artigos da Lei nº 5.702/2014 daquele Município, nos seguintes termos:
(...)
Depreende-se da leitura dos dispositivos supra que eles não tratam de criar novos órgãos públicos municipais responsáveis pela coleta de dejetos. Tampouco criam cargos, funções e empregos públicos ou interferem no regime jurídico ou na remuneração dos servidores públicos que realizam a atividade (art. 61, § 1º, “a” e “e” da CF/88).
Limita-se o ato normativo a estabelecer o modo como a coleta de determinados resíduos deve se realizar, dentro da atividade que já é normalmente desenvolvida pela Municipalidade, com a finalidade de promoção de qualidade ambiental.
Os dispositivos impugnados cuidam, portanto, de especificar o serviço público de coleta, matéria que não está reservada à iniciativa do Chefe do Poder Executivo, salvo quando se tratar de serviço público desenvolvido em territórios.
Com efeito, este Supremo Tribunal Federal entende que o art. 61, § 1º, “b”, que reserva a iniciativa das leis sobre “organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração” ao Chefe do Poder Executivo, somente se aplica no âmbito dos territórios federais. Nesse sentido, registro:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 274 do Estado de Rondônia, de 23 de dezembro de 2002. Critérios de rateio dos recursos do estado para os respectivos municípios. Ações e serviços de saúde. Vício de iniciativa. Inexistência de ofensa ao art. 61, § 1º, inciso II, alínea b, da CF. Competência legislativa privativa da União. Violação do art. 198, § 3º, inciso II, da Constituição da República. Procedência do pedido. 1. Segundo a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 61, § 1º, inciso II, alínea b, da Constituição da República, tão somente fixa as matérias de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo Federal no âmbito dos territórios federais, não sendo essa previsão de observância obrigatória pelos estados. Inexiste, na espécie, o vício de iniciativa apontado. 2. O art. 198, § 3º, da Constituição, atribui à legislação complementar federal o estabelecimento dos critérios de rateio dos recursos destinados às ações e aos serviços públicos de saúde entre os entes da Federação, inclusive aqueles recursos provenientes dos estados e destinados aos respectivos municípios, situação que a Lei Complementar nº 274/2002 do Estado de Rondônia pretendeu regulamentar. Configurada afronta à competência legislativa privativa da União para dispor sobre a matéria. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 274 do Estado de Rondônia, de 23 de dezembro de 2002” (ADI nº 2894, minha relatoria, Tribunal Pleno, DJe de 07/10/2021).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 261/2006 DO ESTADO DO MATO GROSSO, QUE DISPÕE SOBRE PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 61, § 1°, II, B, 145, II e § 2°, E 150, III, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. I - Como se trata de matéria tributária, a iniciativa somente é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1°, II, b, quando diz respeito aos Territórios Federais. Precedentes. II – No julgamento da ADI 3.826/GO, de relatoria do Ministro Eros Grau, esta Suprema Corte reafirmou a possibilidade de se admitir o cálculo das custas judiciais com base no valor da causa, ou do bem ou negócio objeto dos atos judiciais e extrajudiciais, desde que mantida razoável correlação com o custo da atividade e desde que presentes um valor mínimo e máximo a ser cobrado a título de custas judiciais. III - Impossibilidade de se aferir, em cada caso, o custo do serviço. IV - A lei permite que o juiz verifique a necessidade da concessão dos benefícios da justiça gratuita e consequentemente da isenção do pagamento de custas judiciais, o que afasta as alegações de óbice à prestação jurisdicional e ao acesso à Justiça. V - Não procede o argumento de que a referida lei desrespeitou o princípio da anterioridade, uma vez que não houve instituição ou aumento de custas judiciais. Por esse motivo, inaplicável o paradigma invocado pelo requerente na inicial. VI – Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente (ADI nº 3.886, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 06/11/2019).
Ademais, a Corte tem se pronunciado no sentido de que as hipóteses de iniciativa privativa devem ser interpretadas de modo estrito, haja vista que decotam do Poder Legislativo parcela de sua atividade precípua de deflagrar o processo legislativo.
Por outro lado, o fato de a lei prever certas obrigações ao Poder Executivo que possam acarretar alguma despesa não a macula de inconstitucionalidade, consoante este Supremo Tribunal Federal assentou em sede de repercussão geral:
“Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido”(ARE nº 878911-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 11/10/2016).
Ante o exposto, nos termos do art. 932, inc. V, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, caput e parágrafo único, 3º, caput e parágrafo único, 4º, 5º, § 2º e inciso III, e 8º da Lei nº 5.702, de 31 de março de 2014, do Município do Rio de Janeiro Publique-se”. |