Comissão Permanente / Temporária
TIPO : DEBATE PÚBLICO

Da VEREADORA THAÍS FERREIRA

REALIZADA EM 08/27/2021


Íntegra Debate Público :

DEBATE PÚBLICO REALIZADO EM 27 DE AGOSTO DE 2021

(Lesbianidade e acesso a políticas públicas: violações de direitos cotidianos que as mulheres lésbicas enfrentam e o futuro que se quer para as todas LBTs)


Presidência da Sra. Vereadora Thais Ferreira.

Às dezoito horas e quarenta e dois minutos, no Plenário Teotônio Villela, sob a Presidência da Sra. Vereadora Thais Ferreira, tem início o Debate Público da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para discutir o tema: Lesbianidade e acesso a políticas públicas: violações de direitos cotidianos que as mulheres lésbicas enfrentam e o futuro que se quer para as todas Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Trans (LBTs).

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Senhoras e senhores, boa noite. Obrigada a todos, todas e todes pela presença.
Dou por aberto o Debate Público com o tema “Lesbianidade e acesso a políticas públicas: violações de direitos cotidianos que as mulheres lésbicas enfrentam e o futuro que se quer para as todas LBTs”.
Solicito ao Cerimonial da Câmara Municipal que conduza à Mesa de Honra as personalidades que irão constituí-la.

(Compõe-se a Mesa)

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – A Mesa está assim constituída: Excelentíssima Senhora Vereadora Tainá de Paula; Senhora Ana Muza Cipriano, representante da Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher; Senhora Michele Seixas, da Articulação Brasileira de Lésbicas; Senhora Virgínia Figueiredo, da Liga Brasileira de Lésbicas.
Este momento seria dedicado a celebrarmos a presença de outros vereadores e vereadoras na Casa, mas estamos somente eu e a Vereadora Tainá de Paula presentes. Daremos continuidade ao Debate Público.
É hora de fazer meu discurso. Confesso que comecei a pensar no briefing organizado pela minha equipe da mãedata. As mulheres lésbicas da mãedata pensaram essa atividade com a gente, mas o que mais me pegou e me trouxe à fala que eu vou fazer agora foi uma coisinha que a Tainá falou ainda há pouco no Cerimonial. Ela disse o quanto estava emocionada este mês. A gente pode, nesta Casa, nesta cadeira, admitir que a emoção humaniza nosso fazer político e continua nos fazendo movimentar por nós mesmas – é algo, de fato, arrebatador.
Não é sobre fazer chorar, não é sobre a gente conseguir dar conta do nosso sofrimento como mulheres, como mulheres lésbicas, que aqui se colocam também nesse lugar de luta política. Mas é, sim, sobre admitirmos que também é possível considerar todas as nossas subjetividades na política que a gente constrói. É possível, sim, àquela mulher com os braços cansados, com os peitos fartos, com a generosidade política que tem, debruçada sobre a responsabilidade de uma assinatura, trazer para esse lugar a vulnerabilidade. Porque o que admitimos como mulheres e quando vamos discutir direitos é o quanto ainda estamos vulneráveis perante a falha, a ausência, a negligência, a violação que é causada a todos nós pelo Estado, que deveria nos proteger; pelo Poder Público, que deveria desde sempre ter se colocado como aliado na luta pela emancipação de todas nós.
Não se emocionar com isso é não sentir política. E a gente não pode admitir esse não sentir política. A gente não pode admitir que se esteja aqui apenas por papéis frios. A gente não pode admitir que se esteja aqui apenas para cumprir protocolos regimentais. A gente precisa se movimentar para garantir dignidade que humanize todas as pessoas, que humanize todas as mulheres. Hoje, mais cedo, nós tivemos outra audiência pública puxada por outra vereadora, também mulher lésbica, Monica Benicio, minha colega de bancada. Todas as pessoas falaram sobre os direitos de mulheres amarem mulheres. Mas nós sabemos que, objetivamente, para que mulheres continuem podendo amar outras mulheres é preciso que, sim, todo o sistema político se comprometa com a vida dessas mulheres.
Mulheres que amam mulheres são trabalhadoras. Mulheres que amam mulheres são mulheres mães. Mulheres que amam mulheres são estudantes; mulheres que amam mulheres desafiam a cidade com transporte público que não nos contempla, que nos assedia, que nos violenta o tempo todo. Mulheres que amam mulheres são mulheres que fazem todas as coisas que deveriam poder ser feitas plenamente, mas que não são, justamente por conta desse lugar de falha, desse lugar de ausência que não é admitido por aqueles que ousam dizer que nós não podemos nos considerar nas leis, que nós não podemos dar os nossos nomes às leis, que nós não podemos colocar tudo aquilo que nos constitui também no papel, que vai garantir, sim, todos os nossos direitos.
Então, falando de direitos cotidianos, e o cotidiano tem tudo isso, não é? Tem nossas dificuldades, nossos erros, nossos acertos, tem nossas possibilidades, é impossível não deixar de falar de emoção. A gente acorda sentindo a emoção, a insegurança. A gente acorda sentindo esse lugar de descrédito. A descrença social posta a partir das mulheres e sobre as mulheres infelizmente é algo que acabamos reproduzindo, porque não sabemos fazer de outra forma.
A nossa lesbianidade, quando existe, muitas vezes é desconsiderada a partir do nosso próprio olhar, porque nos ensinaram que para sermos mulheres lésbicas nós também precisamos odiar umas às outras. E é verdade, nós precisamos falar sobre isso, precisamos falar do auto-ódio que infelizmente nos é ensinado e que nos atrapalha nesse espaço político também. Nós precisamos falar de mulheres que estão propondo uma cultura de amor; não só amor-próprio, mas amor umas às outras. Esse amar não é só afetivo-sexual, é um amar coletivo, um amar a existência de cada uma de nós, e a política precisa ser feita a partir desse olhar.
Olhando aqui para Ana, e eu vi a iniciativa começando, é impossível não me emocionar. É impossível não me lembrar das vezes em que ela ainda estava lá fazendo o seu canal e buscando conhecimento para que aquele canal crescesse, buscando conhecimento para que aquela informação pudesse chegar em mais pessoas. Tudo o que ela faz é político. É impossível não olhar para a Camila e não reconhecer essa referência de luta que ela é para todas nós. É impossível não olhar para as mulheres lésbicas que compõem a minha mãedata e para a minha equipe também – que não só aceita, porque não é sobre aceitar, mas acolhe genuinamente essas mulheres todos os dias – e não ficar emocionada.
Vou terminar minha fala dizendo que é impossível não se emocionar quando a gente tem a possibilidade de construir política ao lado de uma mulher como a Tainá de Paula, trazendo outras mulheres como as que compõem as nossas mesas para esse lugar, entendendo que, sim, exigimos respeito e exigiremos para todas nós a possibilidade de amarmos umas às outras coletivamente, politicamente e publicamente. Muito obrigada.
Agora, mais emoções com as debatedoras da nossa Mesa. Passo a palavra para a Excelentíssima Senhora Vereadora Tainá de Paula.

A SR. VEREADORA TAINÁ DE PAULA – Peço licença para falar de pé. Sexta-feira é um dia potente, não é? Para quem é de axé, várias companheiras de branco. Quero agradecer muito a Thais pela oportunidade de dividir essa troca dessa construção, não só nessa atividade, gente, mas também em tantas outras lutas e pautas que a gente bravamente toca dentro e fora desse mandato.
Quero agradecer a todas as mulheres que amam outras mulheres, que vieram de longe e de perto, já caminham de longa data comigo, conosco. E quero agradecer muito este espaço que é um espaço nada acolhedor com mulheres dissidentes, com corpos dissidentes, com outras transitoriedades e outras corporalidades. Quero pedir perdão, inclusive, pelas falhas da Casa. Como parlamentar, eu devo falar isso.
E quero falar aqui do nosso papel hoje, Thais Ferreira, muito de reivindicar um lugar que naturalmente nos é negado. Eu, de fato, mencionei... estava muito emocionada este mês, porque Virgínia, Ana, Camila, Anas, o processo de ódio e misoginia que as mulheres passam é muito duro. E o mês da visibilidade lésbica é o mês que nós construímos institucionalmente, nacionalmente, internacionalmente, para dizer que, para além de estarmos vivas e falarmos da nossa existência, é um mês em que temos a possibilidade de nos aproximar, de reverenciarmos umas às outras, de falar das nossas essências e pautar a institucionalidade, que é um lugar importante para disputar também neste mês, neste agosto, que é tão importante.
E é impossível não falar para as mulheres que estão aqui de Marielle Franco. Não quero, obviamente, diminuir a importância de mulheres como Benedita da Silva, como Jurema Batista, mas é muito importante um resgate histórico de que foi Marielle Franco a responsável por colocar as mulheres lésbicas, as mulheres bissexuais, os corpos trans, nesta Casa, como pauta da política pública desta cidade. Então, quero lembrar e reverenciar essa mulher hoje ao lado de vocês com muita saudade e muito orgulho.
Nós não pudemos fazer o lançamento do PL original da visibilidade lésbica neste Plenário. Fizemos na salinha do Auditório, pequenininha, lá atrás, mas não menos importante, porque foi um passo histórico que deve ser lembrado e estará registrado na memória desta cidade e na memória coletiva dos movimentos sociais desta cidade. A foto daquela mesa histórica. E é muito importante que se fale aqui que essa foto hoje também será histórica, porque nós conseguimos o Plenário para falar: as mulheres lésbicas existem. E só mandatos de mulheres não normativas, revolucionárias, que disputam a norma e a sociedade são capazes de fazer isso. Então, mulherada, que bom que vocês se organizaram e nos elegeram. Meu muito obrigado.
Quero falar aqui, para além do dia da visibilidade lésbica, nós temos alguns recortes. Eu acho que os dados do lesbocídio são importantes pra gente falar sobre isso. Metade das mulheres que sofrem violência, 50% são lésbicas negras; e 70% das mulheres lésbicas que sofrem violência sofrem violência entre seus familiares. E nós precisamos disputar a concepção de família, porque nós amamos famílias e queremos construir nossas famílias.
Ontem, a Associação de Doulas fez uma discussão sobre dupla maternidade, dupla maternagem. E ontem nós aprovamos aqui um PL... Eu quero reforçar a importância de termos casas que acolham todas as mulheres, todos os corpos que gestam, porque nós aprovamos um PL da violência obstétrica. Um passo muito importante pra gente produzir dados. E esta Casa retirou, em uma emendinha conservadora, dois termos que, pra nós, são muito caros: orientação sexual e identidade de gênero. Porque para esta cidade, para este Parlamento, estes indivíduos, estas indivíduos, esses corpos não existem. E nós precisamos falar sobre isso.
A misoginia tem forma, raça, sexualidade, identidade. E não tem nenhuma outra palavra que possa definir o que esta sociedade sente sobre nós: ódio. Ódio que nos violenta, que nos arrasta em uma viatura, em Madureira; que nos dá nove tiros no rosto; que nos queima, como Matheusa; que faz estupros corretivos. Nós precisamos saber e, mais do que isso, para além de saber, nós precisamos falar sobre isso.
As mulheres lésbicas, historicamente, se organizaram. Virgínia sabe disso. Quero reforçar aqui a importância da organização das mulheres. Mulherada, eu sou uma produção da organização de Mulheres. Eu não sou uma produção de um partido político. As mulheres são políticas e foram as mulheres que me colocaram aqui neste Parlamento. E eu agradeço a isso. Os partidos, infelizmente, reproduzem um papel de misoginia, de controle e diminuição da nossa importância. E é preciso muito que a gente ocupe também esses espaços. Precisamos nos organizar mais institucionalmente, porque a gente só consegue botar mulherada preta aqui dentro porque a gente ocupou os partidos políticos.
Quero terminar e passar a fala para essas mulheres potentes agradecendo e dizendo o seguinte... Estou ecoando essa frase que, na verdade, muitos conhecem, o Emicida tratou de pulverizar, e as mulheres pretas têm falado muito, no miudinho, pra mim. Sinara Rúbia, vou reforçar a fala dessa mulher preta que todo mundo conhece aqui na cidade mencionou na atividade que a gente fez para a juventude, também celebrada neste mês: “Tainá, eu acolho você, irmã, porque você está seguindo os passos de Exu, porque Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou hoje”. As mulheres estão reconstruindo a sua história. As mulheres estão reconstruindo a política deste país. As mulheres irão derrubar o fascismo, a misoginia e a barbárie que está colocada neste país, e eu só tenho a agradecer por estar no mesmo tempo histórico que vocês.
Nós queremos existir, nós queremos dados, nós queremos estar numa rubrica na próxima LOA e no próximo PPA desta cidade, sim, nós queremos. Mas nós queremos mesmo é reconstruir este país com a nossa cor, com a nossa cara e com o nosso jeito de amar. Amar outra mulher é muito revolucionário, porque nos odeiam tanto, e tem que ter muita grandeza para amar a quem tanto se odeia neste país e nesta sociedade.
Meu muito obrigada. Gratidão profunda pelas mulheres que amam outras mulheres. Mulheres lésbicas existem e resistem.
Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Com a palavra, agora, a Senhora Ana Muza Cipriano.

A SRA. ANA MUZA CIPRIANO – Boa noite. Primeiro, eu queria agradecer o dia de hoje a Oxalá e a Exu. Queria agradecer também à Tainá e à Thais, a todas vocês. Gostaria de agradecer à Joyce pela oportunidade e dizer que ser mulher hoje em dia já é difícil, lésbica também é difícil, preta também, mãe solo, piorou, da favela – porque esse termo periferia, pra mim, particularmente, não me agrada muito. Então, sou uma mulher preta da favela, também é muito complicado. Fica mais desgastante quando se é uma lésbica gorda, quando se tem problemas para ter que enfrentar todos os dias, filhos adolescentes.
Eu costumo dizer para as pessoas que eu não entendo de política; eu entendo de gente. Mas, na verdade, entender de gente já é entender política, já é fazer política. Quando eu converso com as pessoas, com as minhas amigas, e ali eu vou encontrando nelas semelhanças de problemas ou até mesmo um colo, eu me pergunto a todo momento quem quer ouvir a minha história, quem está preocupado comigo. Porque automaticamente, hoje, eu estou aqui representando a Secretaria da Mulher, mas eu represento muito mais do que isso: eu represento mulheres pretas, mulheres gordas, mulheres do cabelo crespo, mulheres que vão procurar uma vaga de emprego e são questionadas sobre com quem vai ficar o filho. Eu represento muita coisa.
Eu costumo dizer que sou muita coisa, mas eu não sou bagunça. Eu sou muito grande, mas nesse grande também existe um limite. Filha neste mundo e no outro de Xangô, mas eu tenho a minha emoção, e amar outra mulher pra mim é também fazer política, é revolucionário. Quando eu me identifiquei, vamos dizer assim, como uma pessoa determinada e a assumir que amo outra mulher, eu não sabia o tamanho da bandeira que estava carregando. Eu não entendia. Eu só sabia que amava e que queria amar, que queria continuar amando, e queria passar isso para os meus filhos. Eu tenho filhos hoje de 15 e 13 anos.
O meu filho diz, quando um homem dá em cima de mim: “Ih, mãe, você nem gosta”. É uma criação difícil, porque se a minha filha, porventura, quiser namorar uma menina, a culpa é da Ana Muza, porque a Ana Muza é lésbica, a Ana Muza influenciou.
Quem está a fim de ouvir isso? Quem está a fim de ouvir a dificuldade por que a gente está passando? Porque é muito confortável a lésbicapadrão, branca, do olho claro, mas quem quer amar a gente que é gorda, que tem o peito grande, a bunda grande, que veste mais de 50? Quem está querendo amar a gente? Quem está querendo assumir a gente? Então, eu acho que este espaço aqui, hoje, que Joyce Trindade me cedeu, foi de extrema importância, de extrema felicidade. Eu espero que no decorrer não caiam lágrimas aqui, porque a emoção é muito grande.
Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Agora, com a palavra, a Senhora Michele Seixas.

A SRA. MICHELE SEIXAS – Boa noite a todas e todos.
Bom, primeiro, pra mim, é muito importante. A gente não pode se esquecer de dizer que estar nesta Casa, depois de quatro anos que a gente esteve aqui com a pele da visibilidade lésbica e perdemos por apenas dois votos, é história! A gente fez e faz história.
O movimento de lésbicas no Rio de Janeiro, como a Tainá falou, é um movimento organizado. Nós somos organizadas. Uma vez eu escutei, infelizmente de uma pessoa do movimento, de um homem, que nós, sapatonas, não somos organizadas, e eles são. Mas tem uma diferença: dentro do Movimento LGBT, infelizmente, a gente encontra a lesbofobia, o racismo. E eu respondi para o companheiro o seguinte: “Não, nós somos organizadas. A gente só não tem a grana pra fazer os eventos que vocês fazem.” Tem uma diferença porque tudo pra nós ou é pouco ou não vem.
Na política, as mulheres ou não têm apoio ou não têm dinheiro para as suas campanhas. É a mesma coisa no movimento social. Se vocês compararem as grandes instituições LGBTs, os homens são os que mais captam recursos e a gente continua tirando do nosso bolso. A gente precisa ter isso muito explícito na nossa cabeça. Isso é um fato.
Em 2021, essa visibilidade lésbica está bem dolorosa, porque a gente está em um contexto sociopolítico e econômico extremamente fascista, com um governo que nós – pelo menos eu, e creio que a maioria aqui – não elegemos. Mas foi o que a maioria da população brasileira elegeu. O Brasil é um país, sim, LGBTIfóbico e racista. O racismo é estrutural e estruturante neste país. Eu acho que vou morrer e não vou ver um país diferente disso. Mas 2022 está aí. A gente não está aqui para jogar carta fora do baralho. A gente vai continuar na luta.
O Rio de Janeiro é um município que faz, no Brasil, o melhor Carnaval do mundo. No entanto, a gente sabe que o Rio de Janeiro é um dos estados que mais matam a nossa população. A gente tem poucos dados. Como a Tainá falou, o Dossiê do Lesbocídio é um dos poucos dados que a gente tem sobre nós. Em nível de governo, nós não temos dados. Inclusive, faço um pedido à SPM para que dialogue com o Movimento de Lésbicas e a gente possa construir uma política pública para a população de mulheres lésbicas. É preciso, porque a gente teve uma Prefeitura em que o prefeito acabou com este município. Então, agora, a gente tem que estar se virando nos trinta. Só que a gente está cansada de se virar nos trinta.
Em 2021, um município desses, com uma população dessas, com sapatão à beça, a gente não ter uma política para a nossa população? Gente, não dá mais pra esperar. Eu me ponho à disposição, assim como a Belle se põe à disposição, pra gente dialogar com a SPM e construir uma política específica para as mulheres lésbicas. Porque a gente está também no meio da sigla toda. A gente está lá no meio e sabe que a gente sai perdendo porque é mulher, assim como as mulheres trans.
Ser lésbica não é só amar outra mulher. Ser lésbica é muito mais, principalmente sendo moradora de favela. Eu sou moradora do Complexo do Alemão. É muito mais do que amar outra mulher. Hoje eu digo que ser sapatão é um ato político. Meu corpo é político. É um ato político. Não tem outro caminho. Ou você põe o seu corpo para a luta ou você vai pra fora. E sair não é uma opção. Não é uma opção pelo menos pra gente, sapatona, uma opção, se colocar fora dessa jornada que está muito complicada.
O Rio de Janeiro, hoje, de alguns meses para cá, teve mudança na Prefeitura; agora, teve mudança no Governo do Estado. É uma incerteza. A gente não tem resposta nenhuma do Governo Federal nem para pandemia. Não é só responder e-mail da Pfizer, não. É resposta zero para nada. A gente, dentro do Ministério da Saúde, a gente não tem mais o departamento de HIV e AIDS. Você não tem mais o Departamento de Apoio à Gestão Participativa (Dagep). Você não sabe quem está na Saúde da Mulher. Você manda ofício, eles não respondem. Houve, sim, a desconstrução de todos os conselhos. Os únicos conselhos que estão resistindo são o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Promoção de Igualdade Racial. E demais conselhos nacionais só estão instituições que dialogam com o Governo Bolsonaro. Não é opção para gente dialogar com esse governo, porque não tem diálogo com quem quer a nossa morte. Isso não é dialogável.
Então, chamo a atenção, porque o controle social, para a gente que é do movimento social, é uma instância muito importante de deliberação e de construção de política pública. Mas, infelizmente, até isso teve retrocesso, assim como as conferências não aconteceram. A Conferência LGBT tinha que ter acontecido ano passado. Não aconteceu, não só por causa da pandemia, não. É porque não teve interesse do Governo para que acontecesse. A da população indígena não aconteceu; a das cidades não aconteceu, a da assistência não aconteceu.
Então, é nítido que esse Governo está dizendo para nós o que eles querem. Em momento nenhum esse governo escondeu o que eles pretendiam, em momento nenhum. Então, penso que o Movimento de Lésbicas no Rio de Janeiro está unido, está organizado para estar à frente contra os retrocessos nas políticas públicas. Isso não é negociável. Retrocesso em política pública, gente, não é negociável. Porque retrocesso em política pública implica nas nossas vidas, na nossa existência.
E eu penso que esta Casa não tem uma importância somente para nós, mulheres lésbicas, mas também para as mulheres trans, e muito.
Há quatro anos, a gente também invadiu – algumas companheiras que participaram dessa invasão estão aqui esta noite, como Virgínia, Camila – este local aqui, porque a gente entendia que a reunião que estava acontecendo naquela hora não tinha a nossa participação. Ora, veja, como é que você vai fazer política LGBT sem a participação das mulheres lésbicas? Gay não fala por mim, não fala. Meu pai não fala por mim e eu amo meu pai. Então, gay não fala por mim.
Então, a gente precisa de políticas específicas para população de lésbicas. Repito, não canso de repetir. E a gente precisa de dados. Não tem mais como eu chegar ao CRAS, que é referência de onde eu moro, perguntar: "Quantas famílias, aqui, vocês atendem LGBT?" E a diretora do CRAS responder para mim: "Família é tudo igual. Aqui, todas as famílias são tratadas de maneira igual". E a gente sabe que não é. A gente tem subnotificações de casos – inclusive isso é bem triste – até de quantas de nós morremos. É bem sério isso.
A gente sabe que, no Governo Federal, nós não teremos esses dados. A gente está tentando fazer alguma coisa no estado. E a gente pode conseguir – e já conseguiu alguma coisa – pelo município. Mas a gente precisa de dados, porque dados são importantes para construção de políticas públicas. Mas a ausência desses dados é muito interessante para quem não nos quer vivas. Nós, sapatonas, permanecemos assim – e Virgínia não me deixa mentir –, com a esperança. Porque 2022 está aí, está perto, está mais perto do que antes. A gente tem que tem que ter a esperança e a fé no coração. Hoje é dia de oxalá. Então, a gente tem que ter esperança no coração. Mas que é muito difícil você fazer política, construir política nesse ambiente, nessa conjuntura que a gente está. É muito mais não do que sim. A gente chega esperando já o não, quando a gente recebe um sim. Nossa Senhora! É uma comemoração do caramba no grupo, não é, Camila? Nossa, é uma comemoração. Só que tem uma coisa, que isso é bom e é ruim, porque, como eu falei antes, a gente está cansada de ficar com o pires na mão. Ah, pelo amor de Deus, vamos. Gente, não tem mais como. Quero dizer aqui que a gente é sapatão, a gente é preta, a gente é favelada, a gente é assistente social que ganha mal pra caramba. Vive de bolsa de pesquisa e outra coisa que é importante, se a gente não pesquisa sobre a gente, ninguém pesquisa e, quando pesquisa, faz umas pesquisas horrorosas dizendo coisa que não tem nada a ver.
Então, por mais lésbicas pesquisadoras e eu agora decidi falar que eu sou pesquisadora, porque antes eu só falava ativista. Não, meu bem. Eu sou pesquisadora, mestranda em saúde pública na Fiocruz e é preciso que eu fale onde eu estou, porque a academia não é um lugar fácil para a gente, não é um jardim de flores. Eu ainda escuto dentro de uma instituição pública federal, de uma professora que é PhD de uma instituição de referência que é a Fiocruz, que não existe racismo no Brasil. Ela disse isso na cara das alunas e dos alunos no meio da aula. E aí o que eu fiz? Botei ela para passar mal, não é? Botei para passar mal, porque eu não estou aqui pra isso. Na outra aula, ela foi hospitalizada, ela não deu aula nunca mais. Não sei nem se ela já aposentou antes do tempo, nunca mais a professora deu aula. Porque a gente não pode ouvir, em 2021, uma professora de uma instituição de excelência, de referência, dizer que não existe racismo no Brasil, gente. Pelo amor de Deus. Já vou concluir a minha fala, gostei, que ela fez assim, eu vi logo.
Gente, quero agradecer mais uma vez e dizer que a gente está organizado e a gente segue em luta. Nenhum passo atrás e muitos passos à frente. Muito obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Com a palavra, a Senhora Virgínia Figueiredo.

A SRA. VIRGÍNIA FIGUEIREDO – Gente, eu tenho um negócio com microfone, ainda bem que esse é fininho, sério, é um negócio esquisito. Enfim, boa noite. Eu queria agradecer demais o convite. Toda vez que somos convidadas para falar sobre alguma coisa, é uma oportunidade única das pessoas nos ouvirem. É muito difícil, muito difícil. Se tivesse libras, eu ia me apresentar, como é que eu estou, para que as pessoas que não enxerguem, saibam que eu estou de blusa branca, que eu tenho cabelo grisalho, que eu sou uma senhora, uso óculos, mas, enfim, é necessário isso também senão a gente não inclui as deficientes.
Eu vim de uma época dos anos 70 que a gente não sabia o que era, não tinha referência, não tinha leitura, não tinha nada. Você sabia que você era alguma coisa e, quando você ia buscar saber que coisa era essa, vinham tantos nomes que te deixavam pior de descobrir o que você é, que te adoecia Porque, naquela época, a gente era “Maria-homem”, “mulher-macho”, “sapatão”, “caminhoneira”, “chamorra”, “mulher paraíba”, “tesoureira”, tudo. Eu queria falar para as pessoas o que eu era, mas, quando eu ia falar aquilo, me causava estranheza, porque eu não me via naquilo. E muita gente não sabe por que a minha geração gosta tanto da palavra entendido. A minha geração descobriu em 74, 76 a palavra entendido. Então a gente saía dizendo para todo mundo que era entendida, porque era uma coisa que não era pesada da outra escutar, pesada para a gente falar e a gente entendia o que a gente era. Veio essa sopa de letrinhas toda, homossexual, que sempre fez apagamento com as outras letras e, mesmo sendo LGBTI, o Império GGG sempre faz apagamento com as outras letras. Então, até a gente chegar a assumir que era lésbica foi complicado e, mesmo assim, assumir essa palavra lésbica veio depois que queriam sinalizar a gente como “movimento simpatizante”.
As pessoas falam: “Não, mas tudo bem, eu sou simpática”. Não quero a sua simpatia, querida. Quero o seu respeito e quero que você me ajude a conquistar algum espaço. E aí eu era a grossa do movimento.
E aí, hoje em dia, o movimento também não quer mais ficar nessa coisa europeia ou americanizada de lésbica. As sapatonas de periferia, de favela e de comunidade, da simplicidade delas e sem serem acadêmicas ou terem grandes estudos, falavam: “Sou sapatão! Desde pequena eu escuto isso na favela que eu moro! Gosto mesmo de mulher!”. E nós, lésbicas, ressignificando a palavra sapatão – uma palavra que nos feria, que nos machucava – passou a ser uma palavra de amor. Se sapatão é amar outra mulher, nós somos sapatão, sim! E nós, como feministas, ressignificamos muito mais: nós somos sapatonas!
Bom, a gente pode voltar lá também nos anos 70 pra falar de bares. Os bares ressocializavam as lésbicas. Era ali que a gente conversava, era ali que a gente falava dos nossos amores, das nossas dores. Era o Bar da Cacá, de 78, lá em Juiz de Fora; era o Bar da Maria, lá na Paraíba; era o bar da... Tantos bares que eu acabei apresentando, mas um bar que me fazia sair daqui do Rio pra frequentar era o Ferro’s Bar.
O Rio de Janeiro, a casa era mais noturna pra gay. A Le Boy... Não, a Le Boy veio dos anos 90. A Sótão não aceitava entrada nem de mulher! Então, nós, mulheres, frequentávamos a Galeria Alaska e íamos para o Samir. Quem conheceu os anos 70, à noite, sabe que o Samir era um bar pequenininho, tipo botequim. Sapatão adora botequim.
E ali, na Galeria Alaska, que a gente encontrava Ângela Ro Ro chorando pelos seus desamores. E ela cantava, não é? Da Acapulco, que eram os dois bares que tinham lá. “À calçada ou em frente ao Samir, ela busca toda noite algo pra se divertir”. As pessoas não sabem a história do Samir. A Ângela Ro Ro cantou a história do Samir.
Então, eram os lugares assim em que a gente se refugiava. E isso quando as pessoas não faziam de tudo pra querer bater na gente. Quando a gente queria sair do bar, a gente tinha que voltar a fechar as portas, chamar a Polícia, pra poder sair em paz.
E aí o Ferro’s Bar passou a ser assim: “Bom, vamos pegar um fusquinha aqui, encher de gasolina, sair daqui de tarde e vamos pra São Paulo”. Ali eu conheci o ativismo, porque o Ferro’s Bar era um bar que tinha intelectuais, artistas, estudantes, universitários, a convergência socialista fervilhava ali na época. E a gente conheceu o Chana com as meninas, com o Folhetim.
Quando saía de lá tinham duas boates, a de quem podia pagar, que era a Moustache, que era só pra mulher, e a de quem não podia pagar, que era a Dinossaurus. Quando eu voltei... Gente, eu sou da Zona Oeste. Cresci ali perto do Mendanha... Então, pra gente de não ter referência antenada, o ponto de encontro e fervilhação era a Praça Boa Noite, Cinderela, que ficava no Jardim do Méier. A gente dava esse apelido por quê? Eu estou contando as histórias pra você ver como que a gente muda. Porque era o único ônibus que ligava a Zona Norte, Zona Oeste, à Zona Sul, que era o 455. E aí, quando davam 11 horas, que não tinha ninguém na Praça Boa noite, Cinderela, que vinham os gays, naquela época de patins e shortinho, as lésbicas, todo mundo, pra pegar o último 455 pra fervilhar na Zona Sul.
A gente não tinha noção... Vocês não tem noção. Eu usava homem, masculino, meu nome era masculino. Nós não éramos estranhos. Mas como é que você vai falar com a sua namorada? Pegava um orelhãozinho, aquelas fichinhas, ia no orelhão, porque nem todo mundo tinha telefone, era caro pra ligar pra outro orelhão, pra falar com ela. Mas, quando elas tinham um dinheirinho, que tinha um telefone, você usava um amigo... Meu nome era Felipe. O amigo ligava:
– “Quero falar com fulana”
– “Quem está falando?”
– “Felipe”. A mãe chamava e o “Felipe” era eu.
Quando escrevia cartinha, eu assinava “Felipe”, porque, naquela época, a gente não tinha privacidade, a mãe da gente mexia nas nossas coisas, queria ver, queria saber. Então, eu era Felipe!
É muito estranho quando a gente fala desse tipo de amor, que as pessoas hoje não vivem, mas a realidade da gente ali era essa. Eu fui ter conhecimento de jornal Versus, Lampião da Esquina, Pasquim. Versus era um jornal político que veio da Linha Vermelha, tá, gente? Conheci lá na Pastoral da Terra. Aí veio o movimento para trabalhador. Eu digo: “Gente, vocês já leram isso ou aquilo?” “Como eu vou ler? Uma que a gente não pode ter esse tipo de jornal em casa”, outra é que você tinha que sair da Zona Norte, do subúrbio, pra comprar na Zona Sul, porque esses jornais na época, Lampião da Esquina, eram vendidos só na Zona Sul, pra classe média, não era pra gente.
Eu só fui ter mais informação política quando me aproximei da Pastoral da Terra e do movimento sindical. Na época não eram sindicatos, eram associações. Eu era da Associação de Profissionais de Processamento de Dados (APPD), que virou SINDPD. Ali eu conheci o Movimento Pró-Trabalhador.
Bom, dito isso, eu digo para vocês qu
e a militância é um pouco de cada coisa. A militância aceitou o movimento LGBT, homossexual, na época? Claro que não! Se hoje em dia eles não querem falar em pautas identitárias, se hoje em dia eles não querem falar de identidade de gênero nem identidade sexual, você acha que antigamente iam falar sobre isso? No PT, para se começar a falar sobre homossexual, teve que vir um Herbert Daniel, em 1986, meter o pé na porta; teve que vir um Fernando Gabeira trazendo a pauta política, quando foi candidato em 1986, da sunguinha de crochê, pra gente dizer: “A gente não vai votar na bunda deles” – desculpe o termo –, “A gente vai votar na cabeça, o que ele tem pra nos dizer”. Mesmo assim, olha só, dos anos 1980 pra cá como a gente está.
Lembro exatamente quando a gente entrou aqui. Eu chorei quando a Tainá falou, porque entrar aqui depois de quatro anos e não estar mais a potência da Marielle... A gente ficava ali e via os olhares das pessoas, a gente sentia a coisa pesada aqui. Hoje, eu já chorei aqui horrores, a Tainá já me fez chorar. É muito difícil quando a gente quer falar sobre lésbica, porque o direito é direito, gente. Qualquer ser humano tem direito à moradia, educação, saúde, habitação, a tudo.
Então, não sei por que motivo, se é um direito, a gente tem que ficar abrindo caixinhas e caixinhas e ficar toda hora forçando que o outro abra caixinhas. Se o ser humano tem direito a isso, nós, lésbicas, também temos. Nós, lésbicas, também temos que estudar, morar, trabalhar, construir família, pagar conta. Ou não? Parece até que a gente não tem responsabilidade nenhuma. Dá vontade de ir ao mercado pegar tudo e dizer: “Ué, vai pagar?” “Não, sou lésbica. Não existo! Está me vendo?”. Dá vontade de fazer um monte de coisas nesta cidade. O que é direito da cidade para LGBTI? Se a cidade é feita e pensada por homens, em qualquer lugar dessa comunidade, no Centro, na Zona Sul, você vê uma quadra de futebol. Qualquer comunidade faz o quê? Quadra de futebol. E as meninas, quando querem participar, ou as crianças, têm que esperar quando os machos estão cansados e largam a quadra sozinha. Ninguém pensa na cidade em um espaço em que as mulheres levem seus filhos ou que vão ali realmente socializar. Imagina uma cidade em que a gente não tem esse espaço LGBT, que a gente anda na rua com medo de ser violentada, que a gente anda na rua com medo de levar pancada.
Enfim, queria lembrar também que nós estamos aqui. Eu não gosto de falar pelos outros, mas gosto de incluir os outros. Lésbica está em tudo quanto é lugar. Tem lésbica pesqueira, manguezeira, marisqueira, quilombola, indígena, imigrante, da rua, encarcerada. Tem lésbicas em manicômio, lésbica em tudo quanto é lugar, aldeia indígena, no MST, campos e floresta. Não é só lésbica que a gente circula no urbano, não. Essas mulheres geralmente são muito mais esquecidas que a gente. Então eu gosto de citá-las pra gente saber que lésbica está em todos os espaços e lugares. Bom, as ribeirinhas, as palafitas... Não vou nem falar mais aqui nesse sentido.
Em 1988 a gente levou uma surra. O advogado João Mascarenhas foi o grande defensor das nossas pautas na Constituição de 1988. De 1988 não avançamos nada. Aí, veio 1994 e, a então Deputada Marta Suplicy, na época, lançou uma lei. Estamos em 2021. Nenhuma lei foi aprovada. Nós não temos política pública. Nós éramos vanguarda, agora nós não somos nada. Estamos atrasados, em termos de lei, de qualquer pessoa, de qualquer Estado, de qualquer lugar. Enquanto a gente não inserir na política pública, a gente não vai ter direito. E direito só tem quando se tem dado.
Eu queria falar muito mais coisa. Saudar as que já foram, saudar as que começaram quando eu quis, mas, então, vou terminar com uma frase. Quando não nos deixam escolher o que a gente quer vestir, quem a gente quer beijar, o que a gente quer ser, o que a gente quer usar, eles desconstroem o que a gente é. Quando nós somos desconstruídos, a gente se torna nada, a gente adoece, porque atrás disso vêm várias histórias, inclusive que a gente construiu com a família, com os amigos e tudo. Isso tudo é desconstruído.
Então, eu não quero mais fazer parte dessa desconstrução. Eu não quero mais ser desconstruída. Eu quero que o meu corpo esteja no front com as negras, com as indígenas. Como sempre, todas as mulheres sempre foram para o front. E, enquanto não tiver lei para a gente, nós somos a própria resistência e desobediência civil.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Muito obrigada. Agora nós abrimos a Tribuna a qualquer pessoa que queira se manifestar.
Existe alguém que gostaria de se manifestar nesse momento?
Seria só ocupar a Tribuna, dizer o seu nome e, por favor, fazer a sua fala.

A SRA. CAMILA MARINS – Boa noite a todas as pessoas presentes. Quero saudar primeiramente esta Mesa maravilhosa: Michele Seixas; Tainá de Paula; Thais Ferreira; Ana Muza, maravilhosa (temos travado diálogos importantíssimos); e Virgínia Figueiredo, nossa mais velha. E também saudar as nossas mais velhas: Neusa das Dores, Yone Lindrigui, Rosângela de Castro, Eliana Emetério. Porque, a partir dessa saudação, a gente afirma e reafirma, assim como Michele e Virgínia falaram, que o movimento de lésbica está assim organizado e não seremos apagadas.
A última vez que eu subi nesta Tribuna foi no dia 16 de maio de 2017, no dia que invadimos este Plenário, como a Michele colocou, mais de 100 sapatonas denunciando o machismo e a lesbofobia do movimento LGBT. No dia que fizemos, ao lado de Marielle Franco, o seminário pela visibilidade lésbica no outro Plenário, denunciamos o apagamento. E aqui não é invisibilidade, porque apagamento existe uma intenção. Quando falamos de dados, exige uma intenção do estado no apagamento das lésbicas nas políticas públicas. E uma coisa que me tocou muito esses dias... Eu assisti uma série, boba, porque eu sou taurina e adoro comida, não é? Assisti uma série sobre comida africana. E houve um provérbio ali muito importante sobre o poder do não. Nós, que somos pessoas negras, temos o poder do não, desde os navios negreiros que nos escravizaram, nós podíamos ali dizer não à comida e morrer.
E nós aqui, como lésbicas, nós dizemos não. Nós dizemos não ao patriarcado, ao machismo, ao racismo, à LGBTfobia. Nós vivemos num mundo que nos diz não o tempo todo, que quer é nos apagar, inclusive dentro do movimento LGBT e no movimento feminista também. Então, ocupar esta Câmara, hoje, é muito simbólico para nós, mulheres lésbicas.
E quero aqui fazer uma proposta para as nossas vereadoras: que instituam o Projeto de Lei 16 de maio, Dia de Luta das Mulheres Lésbicas, que foi o dia da invasão deste Plenário. Eu acho que é fundamental que a gente marque essa história na história desta Casa e na história do Município do Rio de Janeiro, que foi o dia em que as mulheres lésbicas enfrentaram o apagamento e invadiram esta Casa para mostrar que nós estamos aqui existindo.
Para além disso, também acho que é fundamental que a gente trabalhe em políticas públicas que tenham também compromisso com a formulação de dados, dossiês, relatórios. Mas para isso, não adianta a gente apenas aprovar projetos de lei, a gente precisa de orçamento, a gente precisa de dinheiro. A gente tem feito uma discussão muito grande no âmbito do estado sobre o orçamento. A gente começou agora. Nós aprovamos em plenário, na Alerj, por meio da mandata da Mônica Francisco, áreas de conteúdo de investimento específicas para mulheres lésbicas. É um debate que nós, mulheres, estamos fazendo dentro da mãedata, que estamos fazendo ao lado das mulheres.
A gente não pode prescindir nesse debate, de incidir nesse debate, para, além disso, conseguir aprovar emendas para o núcleo de saúde mental de mulheres lésbicas, planejamento familiar, relatório, mapeamento afetivo e político das lésbicas da favela – é fundamental que a gente tenha orçamento. Tainá e Thais, contem com a nossa presença neste Plenário pra gente disputar o orçamento desta Casa também. A gente quer área de conteúdo de investimento para as lésbicas e a gente vai também pressionar o Executivo para que elas sejam aplicadas, porque não basta também a gente aprovar em Plenário sem ter pressão social sobre o Executivo.
Nesse sentido, também quero saudar, porque esta semana nós aprovamos em Niterói o Projeto de Lei Luana Barbosa, que foi apresentado pela Vereadora Verônica Lima. Foi uma iniciativa da Deputada Mônica Francisco, de enfrentamento ao lesbocídio no Rio de Janeiro. Acho que esta Casa também precisa aprovar a Lei Luana Barbosa, que também está reverberando nacional e internacionalmente a partir da organização das lésbicas. Porque se dizem que não estamos organizadas, já temos esse projeto de lei em Salvador, no Norte, em Santa Catarina, em São Paulo. Estamos em diálogos internacionais com organizações de direitos humanos.
Luana Barbosa, mulher negra, periférica, foi brutalmente espancada por policiais militares. Foi vítima de violência de estado, e o relatório da ONU apontou que, a partir desse caso, o Brasil é racista institucional. Então, a gente precisa encorpar essa luta de Luana Barbosa cada vez mais Brasil afora. Pra fechar, eu acho que, assim como a Virgínia falou, nós estamos sempre em desobediência mesmo. E acho que precisamos de mais lésbicas na política. Virgínia foi a primeira candidata lésbica assumida pelo PT, com pouco material, sem financiamento, sem qualquer apoio político.
Nós precisamos de mais lésbicas na política. E não é qualquer sapatão também. Precisamos de sapatonas de esquerda, feministas, para combater o Governo Bolsonaro, para combater Cláudio Castro e fazer oposição, sim, ao Eduardo Paes, porque é um combate ao neoliberalismo e ao capitalismo.
Agora, pra encerrar, quero convidar todo mundo para o Ocupa Sapatão neste domingo, a partir das 17h. É um Ocupa Sapatão virtual, que conta com a organização toda das mulheres lésbicas, atrações culturais. Sigam as nossas redes, compartilhem e “Ocupa tudo, sapatão!”

A SRA. MICHELE SEIXAS – Aproveitando que a Camila fez isso, no dia 29 também nós vamos, depois do Ocupa Sapatão, fazer o lançamento nacional do LesboCenso, o primeiro projeto que vai fazer levantamentos de dados no Brasil inteiro sobre lésbicas. Vocês acompanhem também, procurem LesboCenso no Google e tentem acompanhar. Vai ser logo depois do Ocupa Sapatão, o lançamento vai ser nacional.
Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Por nada. Mais alguma pessoa gostaria de fazer uso da Tribuna?
Então daremos continuidade ao nosso Debate com as considerações finais, começando pela nossa Excelentíssima Vereadora Tainá de Paula.

A SRA. VEREADORA TAINÁ DE PAULA – Quero agradecer a essa potência de Mesa, agradecer a todas as “corpas” que estiveram aqui presentes, a todas as mulheres que amam, a todas as “corpas” que gestam. Falar que não só o meu mandato, mas também a mãedata de Thais Ferreira está à disposição de todas as propostas aqui, Camila, para conversar desde já para articulação e elaboração dessas políticas e dessas incidências.
Sem dúvida alguma, Luana Barbosa é uma referência de direitos humanos. A gente precisa reverberar isso, sim. Quero saudar aqui também, como a Virgínia falou muito bem, a organização das mulheres lésbicas, todas. Avalio muito que não só as organizações institucionais, mas Ferro’s Bar, Ocupa Sapatão, Isoporzinho das Sapatão, todas as coletivas que fazem potência com seus corpos e atividades no espaço público, nos espaços institucionais, nas ocupações dos espaços institucionais, nas ocupações dos espaços institucionais. O dia de luta, sem dúvida, precisa ser marcado e reforçado, Camila. Quero agradecer muito o cumprimento do pacto de a gente não se largar, de a gente não se distanciar. É claro, com máscara e álcool em gel agora, mas existe uma aproximação profunda das sapatonas da cidade com nossos mandatos, com as prioridades que nossos mandatos têm. Viva as sapatonas, sapatonas vivas, sapatões decidindo, sapatões se insurgindo e construindo outros futuros para essa cidade, para esse país. Obrigada para vocês.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Agora, convido a Senhora Ana Muza Cipriano para as considerações finais.

A SRA. ANA MUZA CIPRIANO – Mais uma vez agradeço o convite e torno a dizer, Michele, que a gente está disponível, a Secretaria está aberta para todas. A gente chega aqui dizendo: estamos aptas para todas. Então, vamos, sim, vamos fazer esse laço, vamos fazer isso. A gente precisa realmente. Então, eu conto, em nome da Secretaria, com a participação de todas. Nós estamos no 1746, nós estamos nas redes sociais, a gente está acontecendo.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Muito obrigada. Agora, considerações finais da Senhora Michele Seixas.

A SRA. MICHELE SEIXAS – Bem, quero agradecer também, mais uma vez o convite. Eu penso que a gente estar aqui hoje é muito importante. E penso que a gente nunca... é difícil a gente, às vezes, se manter positiva, animada, mas que venham visibilidades lésbicas de fato para que a gente comemore. Que a gente comemore porque, quando essa data foi pensada 25 anos atrás, ela foi pensada para comemorar. Comemorar a visibilidade, mas, hoje, a gente está aqui debatendo estratégias, em 2021, de como termos visibilidade.
Então, a gente está há 25 anos debatendo como a gente deve ter acesso a direitos que são básicos, que pessoas hétero têm acesso. Para mim, isso é muito absurdo. Isso é muito absurdo, não entra na minha cabeça, de verdade. Então, que venham visibilidades lésbicas para a gente comemorar e presencial. Esse negócio de on-line, vou falar um negócio que eu já não estou aguentando mais esse negócio de on-line. Porque é tudo é on-line. E esse negócio de on-line é desculpa para a gente trabalhar mais e ganhar menos. Porque as pessoas acham que a gente está disponível o tempo todo e que a gente é uma máquina de produzir, principalmente nós, mulheres negras.
Então, muito obrigada, gente.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Muito obrigada. Agora, considerações finais da Senhora Virgínia Figueiredo.

A SRA. VIRGÍNIA FIGUEIREDO – Eu queria agradecer o convite. Queria dizer que realmente é muito emocionante a gente estar aqui. Queria dizer também que toda vez que a gente pensa em política, a gente se esquece dessa dicotomia entre Judiciário e Legislativo. Todos os ganhos que a gente tem vêm através do Judiciário, apesar de conservador. Mas não é ganho porque você pode perder a qualquer hora. E no Legislativo, a gente não consegue avançar.
Então, quero parabenizar todas as mulheres que, em 96, se reuniram, de todo o Brasil, num cenário enorme, querendo influenciar política e fazer, sim, Legislativo. Está difícil? Está. É complicado sair candidata e ganhar? É. Mas eu acho que pós-Marielle, fizemos semente. Todo mundo está falando “foi muito pouco o número de mulher, de negra, de lésbica ali e aqui”. Mas esse pouco, a gente esperou 25 anos. Eu, pelo menos, tenho muito menos tempo que vocês. Eu espero que, agora, a gente não espere tanto.
Então, vamos votar em mulher, independente do partido, independente da corrente ou tendência, que fecha e usa nossas pautas identitárias como troca e rifa. Vamos votar nas mulheres. Acreditem nas mulheres negras e lésbicas. Vamos, até um dia a gente ter uma governadora, uma presidente ou uma prefeita mulher negra e lésbica.
Obrigada.

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Muito obrigada. Como consideração final minha, profunda gratidão, realmente, poder contar com a presença de todas vocês, poder contar com a fala poderosa da Camila, poder contar com as falas importantes que compuseram a nossa Mesa, poder contar com a caneta que a Tainá segura, para que a gente possa proporcionar cada vez mais momentos como esses aqui, sabendo da importância, sabendo da extrema necessidade, da urgência, porque é como a Michele falou, a gente está lutando contra retrocesso, lutando para manter a vida digna de cada uma de nós, de cada uma de vocês.
Então, que a gente consiga, nesta legislatura e em tantas outras, a partir de nós e de outras mulheres que virão, que nós ajudaremos a eleger, trazer cada vez mais a perspectiva da vida digna para todas as mulheres, para a Câmara, para as assembleias, para os congressos, para o Senado, para os governos, não é? O Executivo... Oh, nossa futura governadora aqui do lado. Lutaremos, lutaremos para contar com a potência dessa mulher no Executivo, sim. E é importante a gente afirmar que a gente tem um compromisso com a eleição de mais mulheres negras, com mais mulheres lésbicas para todas as instâncias de governo, no Legislativo. É muito importante a gente poder afirmar isso a partir desse lugar, a partir desta Casa.
Então, fica aqui a minha profunda gratidão às meninas da nossa assessoria, por terem proporcionado esse momento também, a todas as pessoas que compõem esta Casa. Vou entrar aqui nos agradecimentos finais. Tem um roteirinho para seguir, então vamos lá. Agradeço a presença de todas, especialmente das mulheres lésbicas que aqui estão, as nossas assessorias, a equipe técnica da Câmara Municipal, as autoridades que compareceram.
Mas fiquem aqui que ainda não acabou. A gente tem de anunciar que, a partir de agora, fazemos a entrega de algumas moções de reconhecimento de mulheres lésbicas que lutam bravamente pela vida digna de cada uma de nós.

(Entregam-se as Moções)

A SRA. PRESIDENTE (THAIS FERREIRA) – Agradeço mais uma vez a presença de todas e declaro encerrado o Debate Público.

(Encerra-se o Debate Público às 19h50)